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Após mandato, Dilma perde noção da realidade

Josias de Souza

02/03/2017 19h21

Em reação ao depoimento de Marcelo Odebrecht à Justiça Eleitoral, Dilma Rousseff chamou de mentiroso o ex-provedor de suas campanhas. Num instante em que até João Santana e sua mulher Monica Moura já confessaram que receberam em contas secretas no exterior verbas sujas da Odebrecht por serviços prestados ao petismo, a beneficiária dos serviços do casal do marketing reiterou o mantra: todas as doações às suas campanhas foram feitas dentro da lei e aprovadas pelo Tribunal Superior Eleitoral. É como se Dilma não tivesse percebido que a Justiça Eleitoral está justamente auditando os números que havia aprovado para não fazer o papel de lavanderia oficial.

Dilma vive numa realidade escorada no vocábulo de negação. Não autorizou pagamentos no exterior. Não avalizou o caixa dois. Não delegou a Guido Mantega a tarefa de coletor de verbas eleitorais. Madame faz lembrar um personagem inexpressivo da peça Júlio César, de Shakespeare. Atiçados por Marco Antonio, os plebeus saem à caça dos assassinos do imperador. Encontram Cinna. "Matem-no, é um dos conspiradores!", alguém grita. "Não, é apenas Cinna, o poeta", retruca outra voz ao fundo. E a sentença: "Então, matem-no pelos maus versos."

Abespinhada, Dilma disse em nota que a suspeição que a espreita "é um insulto à sua honestidade e um despropósito a quem quer conhecer a verdade sobre os fatos." Em meio à atmosfera malcheirosa da Lava Jato, algum incauto pode gritar: "Tanta honestidade serviu para quê?" E o TSE talvez se anime a sentenciar: "Então, que Dilma Rousseff seja declarada inelegível pelos maus versos." A investigada não perdeu apenas o mandato de presidente da República. Ela perdeu a própria noção da realidade.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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