Temer não cogita afastar ministros investigados
Josias de Souza
10/03/2017 03h08
A perspectiva de divulgação dos pedidos de inquérito decorrentes das delações da Odebrecht reacendeu nos porões do governo um debate sobre a situação dos ministros que devem constar da lista da Procuradoria-Geral da República. Dá-se de barato no Planalto, por exemplo, que irão à grelha do Supremo Tribunal Federal os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência).
Avalia-se que a novidade tornará ainda mais frágil o já debilitado estado-maior do governo. Ainda assim, Michel Temer não cogita afastar seus auxiliares. Nas palavras de um aliado que conversou com o presidente sobre o tema, "Padilha e Moreira só deixarão o governo nesta fase se quiserem. E eles não deram sinais de que desejam sair."
Temer se mantém aferrado aos critérios que definiu para lidar com os ministros que ardem no caldeirão da Lava Jato: 1) os que forem formalmente denunciados pelo Ministério Público Federal, terão de se licenciar dos cargos. Nessa condição, não perderão o foro privilegiado; 2) aqueles que virarem réus em ações penais abertas pelo Supremo Tribunal Federal deixarão definitivamente o governo.
Na prática, além de fornecer uma desculpa automática para Temer e seus ministros, estes parâmetros como que desobrigam o presidente de pensar sobre o paradoxo que marca o seu mandato-tampão: o governo mantém a cabeça nas reformas econômicas e os pés no pântano da política.
Em privado, Temer revela-se obcecado pela preservação da maioria parlamentar. Seu maior receio é o de que a nova lista de encrencados elaborada pela Procuradoria perturbe o Legislativo a ponto de interferir no ritmo de tramitação de reformas como a da Previdência. O presidente di que fará o que for necessário para evitar o comprometimento das reformas.
Antessala da prosperidade econômica ou nova escala rumo ao abismo político, escolha sua metáfora para o que o governo Temer enfrenta na sua tentativa de chegar a 2018. Uma cena típica de desenho animado talvez seja a maneira mais adequada e sintética para descrever o que se passa.
Nos desenhos, às vezes acaba o chão. Mas os personagens continuam caminhando no vazio. Só despencam quando percebem que estão pisando em nada. Se não notassem, atravessariam o abismo. Temer assiste à deterioração moral do seu governo sem estranhar coisa nenhuma. Sua única preocupação é não olhar para baixo.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.