Venezuela ‘é uma ditadura’, diz Aloysio Nunes
Josias de Souza
11/03/2017 04h00
Empossado no cargo de ministro das Relações Exteriores há apenas quatro dias, o tucano Aloysio Nunes Ferreira tornou-se a primeira autoridade brasileira a se referir à Venezuela sem eufemismos: "É uma ditadura", disse ele, em entrevita ao blog. (assista à integra no rodapé e veja os principais trechos em vídeos distribuídos ao longo do post).
O novo chanceler comparou o governo do presidente Nicolás Maduro ao regime militar brasileiro, implantado depois do golpe de 1964: "É uma ditadura com alguns espaços que ainda se preservam, como nós já tivemos aqui no Brasil no tempo do autoritarismo. Você tinha espaços dos quais a oposição se utilizou para acumular forças e pressionar o regime."
Aloysio afirmou que o governo de Michel Temer lançará mão de "todos os meios" para estimular em organismos internacionais a abertura de "um diálogo real entre governo e oposição". Classificou de "preocupante" a situação da Venezuela. Enxerga no país vizinho o seguinte: "escalada do autoritarismo, presos políticos, Judiciário manietado, imprensa manietada, violência nas ruas e a falta de uma janela eleitoral."
Durante a conversa, o ministro recorreu ao humor para comentar uma trapaça do destino. Nas pegadas da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, sem suspeitar que a sorte lhe reservara uma poltrona de chanceler, o então senador Aloysio Nunes foi à canela do adversário de Hillary Clinton como um zagueiro de time de várzea: "Trump é o Partido Republicano de porre. É o que há de pior, de mais incontrolado, de mais exacerbado entre os integrantes do seu partido."
A diplomacia traz o significado no nome. Funciona melhor quando é macia. Por isso, perguntou-se ao novo chanceler se a canelada não dificultará os seus contatos com autoridades norte-americanas. E ele: "…Porre a gente toma. […] Eu bebo muito pouco, mas já me aconteceu. E eu me recuperei. Curei a ressaca." Acha que Trump já se recuperou do porre? Aloysio, como que trocando o figurino de senador pelo de ministro, disse que olha para Washington com o mesmo olhar de dúvida do papa Francisco. Prefere "esperar para ver."
Seja como for, Aloysio não acredita que seus comentários causem transtornos. "Nós temos nos Estados Unidos um extraordinário diplomata, que é o nosso embaixador Sérgio Amaral. Ele tem um roteiro, que está seguindo, em bastante consonância com os norte-americanos, com a nova administração… Essa declaração não cria nenhum problema."
No seu primeiro compromisso oficial como chanceler, Aloysio participou, na última quinta-feira, em Buenos Ayres, de uma reunião com os chanceleres dos outros países-membros do Mercosul: Argentina, Uruguai e Paraguai. Suspensa do grupo, a Venezuela não foi convidada. A "revitalização" do Mercosul é uma das prioridades da gestão de Michel Temer. Sem rodeios, o sucessor de José Serra no Itamaraty chamou o Mercosul de "ficção."
Não seria mais negócio para o Brasil se dissociar dessa ficção?, quis saber o repórter. E Aloysio: "Não, é transformar a ficção numa realidade." Como? Eliminando barreiras que impedem a conversão do Mercosul numa efetiva área de livre comércio. De resto, o ministro diz haver "um interesse crescente da União Europeia para ter um acordo com o Mercosul." O Brasil jogará suas fichas nesse acordo, sem desprezar os entendimentos bilaterais.
"Temos interesse em fazer acordos bilaterais com Japão, temos acordos bilaterais com a China, com a Rússia. Com todos os países que compõem a Aliança para o Pacífico —Chile, Peru, México e a Colômbia— nós temos acordos bilaterais, inclusive acordos que vão fazer com que nós tenhamos um comércio inteiramente livre entre o Brasil e esses países."
Aloysio informou que o Brasil deve restringir o uso do seu território para o pouso de aviões militares do Reino Unido a caminho das Ilhas Malvinas. Fará isso em atenção a uma reclamação do governo argentino, que reivindica a soberania das Malvinas. Os dois países guerrearam pelo arquipélago em 1982. Esmagados, os argentinos perderam 649 soldados. E mandaram à cova 255 inimigos.
Entre 2015, ainda sob Dilma Rousseff, e 2016, já sob Michel Temer, pelo menos 18 aviões militares britânicos usaram o território brasileiro como escala de reabastecimento de voos que tinham as Ilhas Malvinas como destino final. Em acordo firmado com a Argentina, o Brasil comprometera-se a desautorizar esse tipo de pouso, exceto em duas circunstâncias: emergências e missões humanitárias.
Antecipando-se a uma averiguação que está sendo feita pela Aeronáutica, Aloysio admitiu que é improvável que os 18 pousos sob exame tenham sido emergenciais ou humanitários. Daí a intenção de "tornar mais rigorosos os procedimentos", desautorizando os pousos quando for o caso. Nas palavras do ministro, a intenção do governo brasileiro é a de tornar os procedimentos "inquestionáveis."
A chegada de Aloysio à Esplanada dos Ministérios tem um quê de paradoxal. Na disputa presidencial de 2014, ele foi candidato a vice na chapa encabeçada pelo correligionário Aécio Neves. Com a derrota da dupla, o PSDB protocolou no Tribunal Superior Eleitoral um pedido de cassação da chapa rival: Dilma Roussef—Michel Temer. Hoje, o tucanato é o esteio do governo Temer e Aloysio, convertido em chanceler, torce para que o TSE não passe na lâmina o mandato do substituto constitucional de Dilma.
Reuniram-se no processo movido pelo PSDB indícios eloquentes de que milhões em verbas roubadas da Petrobras irrigaram a campanha vitoriosa em 2014. Mas Aloysio endossa a tese segundo a qual a contabilidade da campanha de Temer deve ser apartada da escrituração do comitê de Dilma. "Toda punição, para que se efetive, exige, juridicamente, um nexo de responsabilidade", afirma. "Quem faz tal coisa sofre tal consequência. Então, é preciso que se apure efetivamente a responsabilidade do candidato à Presidência e do candidato a vice-presidente. Não são coisas que possam ser julgadas sem que haja uma apuração específica de responsabilidade de cada um. Na minha opinião, são questões que podem ser perfeitamente desmembradas –contas de Temer e contas de Dilma."
Quanto à presençaa do PSDB no governo, Aloysio disse: "É uma questão de responsabilidade política para com o país nós ajudarmos o presidente Temer a tirar o Brasil dessa crise profunda em que o governo anterior o colocou. O governo Temer surgiu da ruína do governo Dilma. […] É uma ponte que tem que ser construída para 2018, em grande parte com pedaços de um naufrágio que ele encontrou na praia. Esse é o Congresso. E sem ele não se governa, não se aprovam as reformas."
Acusado de receber R$ 200 mil no caixa dois da construtora UTC, Aloysio reitera que sua inocência será demonstrada no inquérito que corre no Supremo Tribunal Federal. "O próprio empresário, o dono da UTC [Ricardo Pessoa], disse que eu nunca fui atrás dele, nunca pedi dinheiro para ele. Então, tem que encerrar o inquérito."
A despeito do drama que o assedia, o novo chanceler considera inócuo o debate sobre anistia do caixa dois. Por quê? "A ideia de anistiar caixa dois eu acho uma besteira, porque só se anistia aquilo que é crime. Caixa dois hoje não é um tipo penal. É o recebimento de dinheiro por parte de um candidato, um dinheiro que ele não declara na sua prestação de contas. É um tipo penal de direito eleitoral.
Aloysio prossegue: "[…] Evidentemente, quem recebe recursos e não declara está cometendo crime eleitoral. Imagine você ter que arranjar um projeto de lei dizendo o seguinte: não é crime eleitoral receber dinheiro e não declarar. O Ministério Público vai continuar a denunciando. Denuncia por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, por corrupção. É um falso problema."
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.