Código de barras à mostra atrapalha a autodepuração do modelo propinocida
Josias de Souza
15/03/2017 15h29
Políticos à venda existem em toda parte. Variam o preço e o cinismo. Nesses quesitos o Brasil revela-se um líder mundial. Depois que a Lava Jato invadiu a bilionária divisão de propinas da Odebrecht, a bancada dinheirista do Congresso se oferece para reformar o modelo político apodrecido. A articulação deflagrada em Brasília revela o tamanho da ilusão dos que imaginam que os políticos, alvos de uma rejeição jamais vista, são capazes de entender que a impaciência do país com a rapinagem virou uma força política a ser levada em conta.
Nesta quarta-feira, reuniram-se em Brasília os presidentes da República, Michel Temer; da Câmara, Rodrigo Maia; do Senado, Eunício Oliveira; e do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes. Em meio às labaredas, discutiram regras de prevenção ao incêndio a serem fixadas numa reforma do sistema político-eleitoral. Em nota, convidaram a sociedade civil a se unir à empreitada. Enumeraram quatro objetivos.
1. Buscar a racionalização do sistema político;
2. Redução dos custos das campanhas políticas;
3. Fortalecimento institucional das legendas;
4. Maior transparência e simplificação das regras eleitorais.
Beleza. Agora só falta responder a quatro perguntinhas: 1) Como confiar aos responsáveis pela irracionalidade corrupta a busca da racionalidade saneadora? 2) Congressistas que trazem o código de barras à mostra terão credibilidade para tratar de custos? 3) Antes de fortalecer as legendas, não seria o caso de cassar as que apodreceram? 4) As contas eleitorais serão expostas online, em tempo real, ou vem aí mais uma transparência de cristal Cica?
A reunião do Planalto foi comandada pelo delatado Michel Temer, que chefia um governo com cinco ministros lançados no caldeirão da Odebrecht. A pseudoreforma será conduzida por Rodrigo Maia e Eunício Oliveira, ambos pendurados de ponta-cabeça na nova lista de candidatos à investigação que a Procuradoria acaba de solicitar ao Supremo Tribunal Federal.
Uma autodepuração como essa, tão impregnada de autodesmoralização, não tem o menor risco de dar certo. Mas eles continuarão tentando. Convém retirar as crianças da sala.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.