Para Gilmar Mendes, vazamento pode caracterizar ‘contaminação de provas’
Josias de Souza
21/03/2017 19h16
O ministro Gilmar Mendes fez críticas duras ao vazamento de dados relativos à colaboração judicial da Odebrecht. Manifestou-se nesta terça-feira, durante a sessão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, responsável pelo julgamento dos processos da Lava Jato. A certa altura, Gilmar reiterou uma proposta que havia feito no final de 2016: "O descarte do material vazado". Para ele, o vazamento produz "uma espécie de contaminação de provas colhidas licitamente, mas divulgadas ilicitamente."
Crítico contumaz do Ministério Público Federal, Gilmar Mendes citou notícia veiculada no último domingo. A repórter Paula Cearino Costa, ombudsman da Folha, informou em sua coluna que os principais veículos de comunicação do país obtiveram informações sobre os alvos da delação da Odebrecht por meio de uma entrevista coletiva feita na própria Procuradoria, sob a condição do anonimato. "…Quando praticado por funcionário público, vazamento é eufemismo para um crime: a violação de sigilo funcional, artigo 325 do Código Penal", disse Gilmar.
O ministro cobrou explicações da Procuradoria. Vai abaixo a íntegra da manifestação de Gilmar Mendes:
Muito embora o material esteja sob sigilo, parte do conteúdo das representações foi divulgada em veículos de comunicação social.
No último domingo, dia 19.3.2017, foi publicada matéria pela Ombudsman da Folha de São Paulo, Paula Cesarino Costa, intitulada "Um jato de água fria". [Disponível aqui]
A matéria comenta justamente o vazamento de informações sob segredo de justiça. Afirma que "a cobertura dos principais órgãos de comunicação _ impressos, televisivos e eletrônicos —tra trazia versões inacreditavelmente harmoniosas" do conteúdo dos pedidos do Procurador-Geral da República. Narra que "vazaram para os jornalistas os mesmos 16 nomes de políticos _ cinco ministros do atual governo, os presidentes da Câmara e do Senado, cinco senadores, dois ex-presidentes e dois ex-ministros".
Trata-se de um fenômeno tristemente conhecido e repetido. Na Operação Lava Jato, a publicação de informações sob segredo de justiça parece ser a regra e não a exceção.
Nem mesmo o STF foi poupado. Em agosto de 2016, foi divulgado que o Min. Dias Toffoli teria sido delatado por um dos empreiteiros colaboradores. Quando o depoimento veio a lume, constatou-se que o crime do Ministro não foi corrupção ou lavagem de dinheiro. Foi receber a indicação de um encanador, para consertar vazamento em sua residência.
Eu mesmo me manifestei publicamente sobre esse lamentável fenômeno em mais de uma oportunidade. Cheguei a propor, no final do ano passado, o descarte do material vazado, uma espécie de contaminação de provas colhidas licitamente, mas divulgadas ilicitamente.
Até aí, o quadro é conhecido. A novidade trazida pela publicação da Ombudsman está na divulgação de um novo instrumento de relacionamento com a imprensa: a "entrevista coletiva em off".
De acordo com a matéria, após "receberem a garantia de que não seriam identificados, representantes do Ministério Público Federal se reuniram com jornalistas, em conjunto", e passaram informações da chamada "segunda lista de Janot".
É importante destacar a fonte da denúncia. A imprensa parece acomodada com esse acordo de traslado de informações. Pouca relevância dá ao fato inescapável de que, quando praticado por funcionário público, vazamento é eufemismo para um crime: a violação de sigilo funcional, art. 325 do CP. Foi necessária uma jornalista independente, dentro da estrutura da grande imprensa, para arejar a situação.
Mais grave é que a notícia dá conta da prática de dentro da estrutura da Procuradoria-Geral da República. Essa não seria a primeira vez, como afirma a matéria e transparece da experiência recente.
Tenho que a Procuradoria-Geral da República tem que prestar explicações sobre esses fatos.
Não haverá justiça com procedimentos à margem da lei. As investigações devem ter por objetivo produzir provas, não entreter a opinião pública ou demonstrar autoridade.
Esse não é um problema externo, que não nos diz respeito. O Poder Judiciário tem um compromisso com a forma como suas ordens são executadas.
Recordo de uma representação que recebi pela realização de busca e apreensão na sede do Senado da República. Vislumbrando a gravidade institucional que a medida representaria, procurei cercar o cumprimento da busca de todas as cautelas possíveis, determinando que fosse executada, sem estardalhaço, por pessoal descaracterizado. Alguns dias depois, a Procuradoria-Geral da República desistiu da medida cautelar.
Em outro caso, a Procuradoria-Geral da República representou pela vinda aos autos de lista em que determinado advogado esteve nesta Corte. Não contente em requerer a diligência, o Ministério Público pediu também que as informações fossem colhidas do sistema do STF diretamente por Procuradores da República – Pet 6.323, atual Inq 4.367.
Faço esse registro, para marcar a gravidade do noticiado e lembrar a imperiosidade de constante vigilância não só quanto ao conteúdo, mas também quanto à forma como nossas ordens são executadas."
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.