Lula enxerga 13ª Vara de Curitiba como um circo
Josias de Souza
30/04/2017 04h23
Nos últimos dias, Lula passou a fazer graça com o depoimento que foi intimado a prestar como réu da Lava Jato. Por vezes, parece confundir a 13ª Vara Federal de Curitiba com um picadeiro. Neste sábado, o pajé do PT foi à cidade gaúcha de Rio Grande. Escalou um palanque. E divertiu a multidão companheira com falas assim:
— Eu tô até preocupado, porque o Moro deve estar vendo o meu discurso aqui. É verdade! E o Dallagnol também. E eles não estão tentando me julgar por corrupção, é pelo jeito de governar esse país. Mas eu vou continuar. Como dizia Fidel Castro: a história me absolverá.
Ouviram-se muitos risos. Mas o jeito petista de governar encontra-se tristemente escancarado nos processos do petrolão. Na primeira instância do Judiciário, onde a biografia de Lula é carbonizada, produziram-se por enquanto 131 condenações. Juntas, somam 1.377 anos, 9 meses e 21 dias de cadeia.
Lula disse estar "pedindo a Deus" para Sergio Moro manter seu depoimento agendado para 10 de maio. "É a primeira chance que eu tenho de falar o que eu penso de tudo isso que estão fazendo comigo." O orador usou timbre de presidenciável. Finge ignorar que virou candidato a fazer companhia a companheiros como José Dirceu e João Vaccari no rol dos condenados.
Nesta época de semântica desvairada, o que Lula chama de honestidade constitui a soma de tudo o que dizem dele os delatores e os achados dos investigadores da Polícia Federal e da Procuradoria. Ocorre a seguinte incoerência: Lula se diz uma coisa e sua reputação já é bem outra.
Num contexto assim, tão envenenado, Fidel e Deus ajudarão pouco. A história não absolveu o líder cubano. Condenou-o a testemunhar o colapso do regime de Havana. No mais, todos os seus crimes prescreveram antes da morte, no entendimento tácito de que as dores ideológicas e físicas de sua velhice já foram castigo suficiente.
Quanto ao Todo-Poderoso, se é verdade que Ele brasileiro, talvez se sentisse diminuído tendo que ajudar apenas o Lula a ganhar milhões em palestras e colecionar amigos dispostos a bancar-lhe os confortos. Se 10% de tudo o que está na cara for confirmado, o mais provável é que Lula não deixe nenhuma obra para redimi-lo. Pelo menos nenhuma que não tenha sido superfaturada.
No discurso deste sábado, Lula chegou a ensaiar uma caída em si: "Eu, sinceramente, não sei o que vai acontecer comigo." Mas logo voltou a destilar sua autoconfiança com desembaraço autocrático: "Eles podem se preparar, porque nós vamos voltar." E a plateia, em uníssono: "Volta Lula, volta Lula, volta Lula…" O orador entusiasmou-se:
— Eles têm que saber que a Petrobas vai voltar a ser outra vez do povo brasileiro. […] Eles têm que saber que o BNDES vai voltar a ser banco de deenvolvimento. Eles têm que saber que o banco do Brasil não vai mais fechar agência, vai abrir agências. […] Eles têm que saber que a Caixa Econômica vai voltar a ser banco público. Eles têm que saber que nós vamos regular os meios de comunicação.
As palavras não deixam dúvida. Sobra talento a Lula para números circenses como malabarismo verbal, trapezismo ideológico e ilusionismo factual. No entanto, se vingasse a tese de que não há nada para investigar a respeito no líder máximo do PT, cada brasileiro viraria um palhaço instantâneo. E nem todo mundo se dispõe a usar narizes vermelhos, colarinhos folgados e sapatos grandes.
É difícil imaginar, por exemplo, um Sergio Moro de peruca avermelhada. O juiz da Lava Jato não é do tipo que veste "giubba". Tem mais cara de estraga-festas. Alguém precisa avisar a Lula que tratar a 13ª Vara de Curitiba como um circo é o mesmo que cutucar o leão com o pé para ver se ele morde.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.