Moro injeta ‘normalidade’ no espetáculo de Lula
Josias de Souza
07/05/2017 17h39
Dois espetáculos não cabem ao mesmo tempo num único palco. Atento ao princípio da impenetrabilidade da matéria —"dois corpos distintos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço…"— Sergio Moro se esforça para reagir à tentativa de Lula de enfiar um espetáculo dentro de um ato processual banal.
O petismo estava aí convocando sua militância para testemunhar em Curitiba, na próxima quarta-feira, um momento apoteótico da ópera da Lava Jato: o solo de Lula. Na noite deste sábado, Sergio Moro, maestro e coreógrafo da 13ª Vara Federal de Curitiba, pendurou na web um vídeo que impõe a mudança do cartaz.
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Uma frase do juiz ganhou o letreiro com disposição de ficar: "É um ato normal do processo." Na véspera, num encontro partidário que foi transformado em ensaio público do grande ato de Curitiba, o tenor do PT entoara sua ária predileta, feita de dois elementos: vitimização e autoelogio.
Lula declarou: "Há um pacto diabólico entre a Operação Lava Jato e os meios de comunicação: não importa a verdade, é preciso castigar a imagem. E eu dizia: não façam isso, porque vocês estão enfrentando uma pessoa que respeita a Justiça, que não está acima da Justiça. Mas vocês estão julgando de forma equivocada, com difamações, a pessoa que mais criou condições de combater a corrupção neste país. Mas isso eu vou deixar para quarta-feira…"
No seu vídeo, Moro tomou distância do tridente, mostrou a Lula uma boa trilha para desmontar "difamações" e insinuou que o pecador tende a enxergar as labaredas do inferno até nos procedimentos mais comezinhos do devido processo legal: "O interrogatório é uma oportunidade que o senhor ex-presidente vai ter para se defender", afirmou o juiz. "É um ato normal do processo. Nada de diferente ou anormal vai acontecer nesta data, apenas esse interrogatório."
Lula será interrogado por Moro como réu num processo em que é acusado de ter recebido "vantagens indevidas" da OAS, empreiteira que participou do assalto à Petrobras. Uma das vantagens foi o tríplex turbinado do Guarujá. Outra foi o transporte e armazenagem das "tralhas" acumuladas durante a sua Presidência. Pelas contas da força-tarefa de Curitiba, os mimos contidos nesse processo somaram R$ 3,7 milhões.
Com a esperteza habitual, Lula fala do depoimento como se o evento envolvesse todas as acusações que lhe pesam sobre os ombros nas cinco ações penais em que figura como réu. Ele diz estar "ansioso" para encontrar Moro. Por quê? "É a primeira oportunidade que eu vou ter para saber qual é a prova que eles têm contra mim." Ora, Lula já prestou seis depoimentos. E continua pendurado nas manchetes de ponta-cabeça.
Lula sabe que o juiz da Lava Jato não poderá inquiri-lo senão sobre os dados contidos nos autos. Mas o pajé do petismo convoca a militância que o idolatra para uma ópera processual com jeitão de comício contra toda a urucubaca que lhe carcome a biografia. Farejando o cheiro de queimado, Moro encareceu ao pedaço da sociedade simpático à Lava Jato que se abstenha de comparecer à pajelança. O magistrado injeta normalidade no espetáculo.
"Eu tenho ouvido que muita gente que apoia a Lava Jato pretende vir a Curitiba manifestar esse apoio. Ou pessoas mesmo de Curitiba pretendem vir aqui manifestar esse apoio. Esse apoio sempre foi importante, mas nessa data ele não é necessário. Tudo que se quer evitar é alguma espécie de confusão e conflito. E acima de tudo não quero que ninguém se machuque e se envolva em eventual discussão. Minha sugestão: não venham, não precisa. Deixa a Justiça vai fazer o seu trabalho. Tudo vai ocorrer com normalidade."
O que Sergio Moro disse, com outras palavras, foi mais ou menos o seguinte: "Deixem que o PT e Lula se encrenquem sozinhos." Mais um pouco e o magistrado vai acabar recomendando ao réu a leitura de um poema do poeta e compositor Abel Silva. A peça vai reproduzida abaixo:
Navegações
Minha casa está calma,
eu é que sou turbulento,
o país navega, dizem,
eu é que me arrebento
eu é que sempre invento
toda esta ventania
eu é que não me contento
com o rumo da romaria
não sei se a sorte é cega
ou eu que vivo a teimar:
sei que eu sou o barco
o marinheiro
e o mar.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.