Fachin impôs três derrotas à defesa de Temer
Josias de Souza
30/05/2017 19h52
Na semana passada, quando uma escrivã da Polícia Federal procurou o criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, advogado de Temer, para agendar o depoimento do investigado, a defesa apressou-se em recorrer a Fachin. Em petição assinada junto com o advogado Gustavo Bonini Guedes, Mariz pediu:
1. Que o depoimento de Temer fosse suspenso até a conclusão da perícia da gravação da conversa do presidente com o delator Joesley Batista, do Grupo JBS. Fachin deu de ombros. Fixou prazo de dez dias para que a PF encerre o inquérito. Temer terá 24 horas para responder ao interrogatório, a contar do recebimento das perguntas.
2. Que Fachin abdicasse da relatoria, devolvendo o processo à presidência do Supremo, para sorteio de um novo relator. Os advogados alegam que a colaboração judicial da JBS não tem nada a ver com a Lava Jato. Ao ignorar o pedido, Fachin deu crédito à versão da Procuradoria segundo a qual Temer endossou mesada que o delator Joesley Batista insinuou que pagava ao ex-deputado Eduardo Cunha para comprar o silêncio dele na cadeia. Um indício de tentativa de obstruir a Lava Jato.
3. Que o processo fosse desmembrado, para que Temer passasse a ser investigado sozinho, sem vinculações, por exemplo, com o ex-assessor Rodrigo Rocha Loures e com um operador de Eduardo Cunha, o doleiro Lúcio Funaro, preso na Pentenciária da Papuda, em Brasília. Fachin excluiu do processo apenas o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) e os suspeitos a ele vinculados. Manteve Temer sob o mesmo guarda-chuva de Loures, Cunha e Funaro.
Ao determinar a inquirição de Temer mesmo antes da conclusão da perícia do áudio que o incriminou, Fachin como que abraçou o argumento de Janot de que Temer fez uma "confissão extrajudicial" ao comentar em público a cilada armada por Joesley Batista para grampeá-lo com um gravador escondido no bolso.
Segundo Janot, Temer confessou ter recebido, na calada da noite, no Palácio do Jaburu, um empresário investigado por corrupção e lavagem de dinheiro. Para complicar, o nome do dono da JBS não constava da agenda do presidente. Pior: o visitante entrou no palácio residencial usando nome falso.
Fachin também levou em conta o fato de Temer não ter negado que manteve com Joesley 38 minutos de conversa repleta de indícios de ilicitudes e frases esquisitas. Coisas como "zerar pendências" com Eduardo Cunha para, segundo o delator, comprar-lhe o silêncio. Ou o "tem que manter isso, viu?", que Temer admitiu ter pronunciado depois que Joesley lhe informou sobre suas boas relações com Cunha. Ou ainda o "ótimo, ótimo" que Temer enganchou na revelação de Joesley de que estava subornando dois juízes e um procurador.
De resto, o relator levou em conta o fato de Temer ter confirmado também que indicara o ex-assessor Rodrigo Rocha Loures, então deputado federal, como seu interlocutor junto a Joesley. Daí a decisão do ministro de indeferir o pedido de desmembramento do processo. Frustrou-se, assim, a tentativa da defesa de distanciar Temer da mala com R$ 500 mil em propina da JBS que Rocha Loures recebeu dias depois, num flagrante filmado.
Para desassossego de Temer e seus advogados, Fachin aceitou o argumento de Janot de que o presidente da República substituiu o ex-ministro Geddel Vieira Lima por Rocha Loures como seu interlocutor "para tratar de assuntos de interesse do grupo empresarial J&F [a holding que controla a JBS]."
De resto, o relator da Lava Jato negou-se a desconsiderar "a suposta influência" exercida por Eduardo Cunha "sobre assuntos governamentais, mesmo se encontrando recluso e afastado". Em tese, entendeu Fachin, Rocha Loures agiu em nome de Temer. A propina recebida pore ele, como disseram os delatores, destinava-se ao presidente. Impossível, portanto, separar as investigações, como pediu a defesa.
O encaminhamento que Fachin deu ao processo é um prenúncio do que espera por Temer nas fases subsequentes da investigação. Não é à toa que o presidente perde-se em articulações nesta terça-feira para corrigir a trapalhada que deixou Rocha Loures sem mandato, sem foro privilegiado e mais próximo de uma delação.
Suplente de deputado, o homem da mala ocupava na Câmara a poltrona de Osmar Serraglio (PMDB-PR), que fora acomodado no assento de ministro da Justiça. No domingo, Temer ofereceu a pasta da Justiça ao advogado Torquato Jardim. Fez isso porque estava convicto de que Serraglio aceitaria ser deslocado para o Ministério da Transparência. Abespinhado com o rebaixamento, Serraglio preferiu retornar à Câmara. E Rocha Loures encontra-se momentaneamente sem mandato.
Definido por Temer como homem "de boa índole", Rocha Loures perdeu o salário de deputado e o escudo do foro privilegiado. Continua sendo investigado no Supremo porque seu caso está enganchado ao de Temer. Mas nada impede que o pedido de prisão que Janot fizera contra ele e que Fachin rejeitara por conta do mandato parlamentar volte a ser cogitado.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
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