Autoconfiança de Temer resultou em temeridade
Josias de Souza
01/06/2017 21h44
O presidente da República move-se pelos meandros da crise com uma desastrosa autoconfiança. Alheio às precauções básicas de alguém que exerce o poder na condição de investigado, Michel Temer produziu três temeridades que condicionaram o futuro do seu mandato ao imponderável:
1. Temer recebeu na calada da noite, no Palácio do Jaburu, Joesley Batista, da JBS, um empresário investigado por corrupção. Manteve com ele uma conversa vadia. Gravado sem saber, foi alvejado por uma delação e tornou-se protagonista de uma investigação no Supremo Tribunal Federal.
2. No diálogo fatídico, Temer ouviu do grampo a domicílio um pedido para que indicasse alguém com quem pudesse falar para resolver pendências. Temer indicou para Joesley o amigo Rodrigo Rocha Loures, um ex-assessor de sua "estrita confiança". Meteu-se numa encrenca graúda. Dias depois, seu preposto foi filmado recebendo uma mala com propina de R$ 500 mil da JBS. Os delatores sustentam que o dinheiro destinava-se a Temer.
3. A pretexto de reforçar sua infantaria jurídica, Temer desguarneceu a própria retaguarda. Transferiu do Ministério da Transparência para a pasta da Justiça o doutor Torquato Jardim, PhD em TSE e STF. Humilhou Osmar Serraglio, desalojando-o da Justiça na suposição de que, sem consulta prévia, aceitaria gostosamente ser rebaixado para a pasta da Transparência. Seraglio deu-lhe o troco: reassumiu sua poltrona de deputado federal, que vinha sendo ocupada pelo suplente Rocha Loures. Sem as imunidades parlamentares, o homem da mala tornou-se a principal ameaça ao mandato de Temer.
Graças à desenvoltura suicida de Temer, Rocha Loures ficou ainda mais vulnerável. Com a rapidez de um raio, o procurador-geral da República Rodrigo Janot atravessou um novo pedido de prisão do personagem sobre a mesa do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal. Fachin já havia se negado a encarcerar Rocha Loures, sob o argumento de que um deputado só pode ser preso em flagrante delito. Mas o investigado, graças a Temer, não é mais deputado.
No momento, conforme já noticiado aqui, Rocha Loures flerta com a ideia de tornar-se um delator. Dependendo da decisão de Fachin, o projeto pode amadurecer rapidamente. E Temer terá que lidar com o imponderável.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.