Temor de delação expõe a fragilidade de Temer
Josias de Souza
04/06/2017 04h15
A prisão de Rodrigo Rocha Loures potencializou um fenômeno surgido há duas semanas em Brasília. Tomados por uma espécie de Loresfobia, Michel Temer, seus ministros e apoiadores políticos mais próximos vivem o temor de uma delação que está por vir. O presidente poderia imunizar-se contra o risco de intoxicação. Bastaria romper com o amigo e ex-assessor, desqualificando-o. Mas Temer faz o oposto. Elogia publicamente um personagem que foi preso por traficar influência e receber do Grupo JBS uma mala com propina de R$ 500 mil. Temer soa como refém do potencial delator. É como se o adulasse em troca de proteção.
Temer e seus operadores esboçam o discurso que pretendem esgrimir na hipótese de Rocha Loures se tornar um colaborador da Justiça. Dirão que ele foi vítima de uma cilada urdida por um empresário desonesto, Joesley Batista, em parceria com uma Procuradoria que conspira contra a estabilidade do governo. Afirmarão, de resto, que não há na atual gestão nenhum vestígio de favores que o governo possa ter prestado à JBS em troca da mala de dinheiro que Rocha Loures, num misto de confissão e arrepemento, devolveu depois de ter sido filmado.
A versão do procurador-geral Rodrigo Janot é mais simples. Para ele, Rocha Loures agiu como um "verdadeiro longa manus" do presidente. Quer dizer: indicado por Temer como a pessoa de sua "estrita confiança" a quem Joesley deveria encaminhar as pendências da JBS no governo, Rocha Loures representa um prolongamento da mão do próprio presidente. Nessa versão da Procuradoria, as digitais que aparecem na mala são do preposto de Temer. Mas o dinheiro destinava-se ao próprio presidente —exatamente como informaram os delatores da JBS em seus depoimentos.
Temer pode espernear como quiser. Pode repetir que o áudio em que soou indicando Rocha Loures a Joesley foi editado. Pode afirmar que os delatores da JBS foram tratados a pão de ló por Janot. Pode insistir na tese de que o ministro Edson Fachin, que mandou prender Rocha Loures, não é o juiz natural do caso. Mas nada vai apagar a impressão de que falta alguma coisa à reação oficial. Há no discurso do governo como um todo e nas palavras do presidente em particular um déficit de indignação.
Ao referir-se a Rocha Loures numa entrevista com pessoa "de boa índole, de muito boa índole", Temer abusou da paciência da plateia. Ao sustentar noutra entrevista que o ex-assessor, não é senão "vítima de uma armação", o presidente ofendeu a inteligência alheia. É como se a autoridade máxima da República pedisse ao brasileiro para fazer o papel de bobo. É como se rogasse aos patrícios que, pelo bem da nação, fingissem não notar a fragilidade do presidente.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.