Candidato à PGR repudia hipótese de substituição na base do 'toma-lá-dá-cá'
Josias de Souza
23/06/2017 04h14
Candidato ao cargo de procurador-geral da República, o vice-procurador-geral-eleitoral Nicolao Dino, disse repudiar com veemência a hipótese de o substituto de Rodrigo Janot ser escolhido na base do "toma-lá-dá-cá." "Não seria digno ser designado para o cargo sinalizando troca de favores", declarou, em entrevista ao UOL (veja trechos ao longo do texto e assista à íntegra no rodapé).
Dino considera "saudável" o modelo que condiciona a escolha do chefe do Ministério Público Federal à indicação do presidente da República e à aprovação do Senado. Mas avalia que é "no mínimo intrigante" que a sucessão de Janot tenha de passar pelo crivo de "vários agentes políticos submetidos a procedimentos de investigação e de ações penais." Ele soa resignado: "Pode causar uma perplexidade, mas é a regra do jogo." E acrescenta: "Espero que isso não venha a interferir na independência funcional" do próximo procurador-geral.
O mandato de Rodrigo Janot termina em 17 de setembro. Oito candidatos disputam sua poltrona. Na próxima terça-feira (27), a corporação dos procuradores fará uma eleição. Os três nomes mais votados pelos cerca de 1.200 membros do Ministério Público comporão uma lista a ser entregue a Michel Temer. A Constituição não obriga o presidente a escolher um nome dessa lista. Entretanto, nos últimos 14 anos o primeiro colocado da lista sempre foi o escolhido. Em maio do ano passado. Temer disse que manteria a praxe.
Na opinião de Nicolao Dino, o presidente não precisa necessariamente indicar o candidato mais votado. Mas ele avalia que Temer cometerá um grave erro se ignorar a lista, hipótese cogitada a sério no Palácio do Planalto. "Nesse momento histórico, abdicar da lista vai parecer uma sinalização muito ruim para o Ministério Público e para a sociedade, o que pode inclusive comprometer o cenário de equilíbrio institucional e de governabilidade", declarou o candidato.
Defensor da Lava Jato, Nicolao Dino promote prestigiar a operação se for guindado ao posto de procurador-geral. Hoje, há um incômodo descompasso entre a força-tarefa de Curitiba e os tribunais superiores de Brasília. Na primeira instância, a Lava Jato produziu 144 condenações. Juntas, somam 1.464 anos, 11 meses e 25 dias de cadeia. No Supremo Tribunal Federal, foro do presidente, dos ministros e dos congressistas, não há vestígio de condenação. No Superior Tribunal de Justiça, onde são processados os govermadores, verifica-se a mesma ausência de punições.
Dino atribui o fenômeno ao chamado foro privilegiado. Ele repisa o argumento de que tribunais como o Supremo, com vocação legal para o julgamento de recursos e para o controle da constitucionalidade das leis, não tem traquejo para lidar com ações penais. "A lei deve ser igual para todos", disse o candidato, antes de reconhecer: "Temos ainda, no Brasil, alguma dificuldade de trazer isso para o plano fático. Mas já foi pior."
Nicolao Dino disputa a poltrona de Rodrigo Janot numa condição paradoxal. Para tornar-se procurador-geral, ele precisa ser indicado por Michel Temer. Simultaneamente, trabalha para apear Temer do cargo. Representante do Ministério Público no Tribunal Superior Eleitoral, Dino declarou que irá recorrer contra recente absolvição da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer.
Na condição de vice-procurador-geral-eleitoral, Dino posicionou-se no julgamento do TSE a favor do cassação do mandato de Temer e da condenação de Dilma a uma inelegibilidfade de oito anos. E ele continua convencido de que Dilma e Temer prevaleceram na última disputa presidencial sem ética. Há nos autos, segundo Dino, "provas concretas, robustas, evidentes, indicativas de abuso do poder econômico e fraude na eleição presidencial de 2014."
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
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