Aos poucos, abafa vence moralidade de goleada
Josias de Souza
14/10/2017 01h17
Quando o senador Romero Jucá defendeu a costura de um pacto para "estancar a sangria", sua voz soou como ruído desesperado de alguém que não sabia que estava sendo gravado. Ao afirmar que o pacto deveria incluir o "Supremo", o senador parecia ecoar o apavoramento de investigados em apuros. Penduradas nas manchetes em maio do ano passado, as indiscrições de Jucá foram esquecidas. Há quatro dias, o ministro Edson Fachin, do STF, arquivou o inquérito em que Jucá era acusado de tentar obstruir a Lava Jato, em parceria com Renan Calheiros e José Sarney. Beleza. Mas o país assiste a estranhos acontecimentos.
A sangria, que já destroçara o PT e seus satélite$, ganhou ímpeto. Atingiu figuras poderosas de partidos influentes —legendas que escorregaram suavemente do bloco que dava sustentação ao governo Dilma para a base congressual da gestão Temer. De repente, uma hemorragia que parecia irrefreável passou a ser gradativamente controlada. Os fatos se sucedem com hedionda e avassaladora constância. Não vê quem não quer. O esforço anticorrupção entrou em nova fase —a fase torniquete. Nessa etapa, a moralidade perde de goleada para a turma do abafa.
Perdeu no Tribunal Superior Eleitoral, que sepultou provas vivas para livrar Temer da cassação e Dilma da inelegibilidade. Perdeu no Executivo, transformado em habitat natural de ministros encrencados com a lei e até de um presidente denunciado um par de vezes. Perdeu na Câmara, convertida em cemitério de investigações presidenciais. Perdeu no Supremo, que agachou para o Senado. E está prestes a perder no próprio Senado, que trama a volta de Aécio Neves.
O excesso de encrencados graúdos deveria potencializar as investigações e suas consequências. Mas, em vez disso, as enfraquece. Num instante em que a soma dos encalacrados com foro privilegiado roça a casa das duas centenas, solidifica-se o entendimento segundo o qual é preciso estancar a hemorragia para que o melado continue escorrendo. Ninguém afirmou ainda, talvez por pena do Brasil. Mas a operação abafa tornou-se um sucesso. Se você esperava um novo país, convém puxar uma cadeira. Pode ser que ele venha. Mas vai demorar a chegar.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.