Villas Bôas se diz preocupado com as 'intervenções' do Exército nos Estados
Josias de Souza
31/12/2017 02h56
O general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, disse estar preocupado com a utilização excessiva dos militares em "intervenções" para restabelecer a segurança nos Estados. São as chamadas Operações de GLO, Garantia da Lei e da Ordem. Em mensagem postada no Twitter, neste sábado, Villas Bôas realçou: "Só no Rio Grande do Norte, as Forças Armadas já foram usadas três vezes em 18 meses". Em timbre de apelo, o general emendou: "A segurança pública precisa ser tratada pelos Estados com prioridade 'Zero'. Os números da violência corroboram as minhas palavras."
Ouvido pelo blog, o ministro Raul Jungmann (Defesa) deu razão a Villas Bôas: "Esta ação é, de fato, a terceira que realizamos no Rio Grande do Norte. Mas se computarmos todas as operações de GLO feitas no país nos últimos 18 meses, esta é a décima primeira ação. O grande número de operações com emprego de forças militares revela um quadro de emergência nacional na área da segurança pública. O general Villas Boas está certo. Temos a consciência de que esse problema de segurança não será resolvido na pasta da Defesa."
Para reforçar a percepção de que o extraordinário converteu-se em ordinário, Jungmann lembrou que Michel Temer acaba de estender a GLO iniciada no Rio de Janeiro no mês de junho "até o último dia do ano de 2018." Informou que, nos próximos dias, participará de uma reunião com o governador fluminense, Luiz Fernando Pezão, e representantes das pastas da Justiça e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. "Vamos elaborar um protocolo de atribuições, para definir quem faz o quê. O objetivo é aperfeiçoar a nossa capacidade de ação conjunta."
As declarações de Villas Bôas e Jungmann coincidem com o início do desembarque de forças militares no Rio Grande do Norte, neste sábado. Estima-se que, neste domingo, haverá 2.800 soldados em solo potiguar. A maioria foi deslocada do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Inicialmente, atuarão em duas áreas: na região metropolitana da capital, Natal, e no município de Mossoró. Deve-se a intervenção a uma paralisação de policiais militares e civis, provocada pelo atraso no pagamento de salários e pela precariedade das condições de trabalho.
Cerca de 80% das forças policiais do Rio Grande do Norte estão aquarteladas, de braços cruzados. Isso corresponde a um contingente de cerca de 8,5 mil homens. Os 20% restantes não conseguiram deter a onda de roubos, saques a estabelecimentos comerciais e arrastões que apavoram a população potiguar nas últimas semanas. Daí o emprego das Forças Armadas. O próprio ministro da Defesa deslocou-se para o Estado. Passará o Réveillon supervisionando a operação, planejada para durar até 12 de janeiro.
Jungmann já trabalha com a hipótese de prorrogação, pois não há previsão de normalização do pagamento das folhas salariais. O governo potiguar atrasou os contracheques de novembro. Só conseguiu pagar para os policiais que recebem vencimentos de até R$ 3 mil. De resto, não honrou o 13º salário das polícias militar e civil.
O governador do Rio Grande do Norte, Robinson Faria (PSD), havia solicitado a Michel Temer um socorro financeiro. Coisa de R$ 600 milhões em verbas do Tesouro Nacional. O presidente da República esboçara a intenção de atender. Consultado, o Tribunal de Contas da União emitira sinais favoráveis ao repasse. Mas a representação do Ministério Público junto ao TCU manifestou-se contra a operação. E o Ministério da Fazenda sustou o envio da verba, tornando incontornável o uso das Forças Armadas.
Neste sábado, Jungmann fez um apelo para que os policiais militares do Rio Grande do Norte voltem ao trabalho. Reconheceu que a falta de salário e de equipamentos produz uma situação "aflitiva." Mas recordou o juramento que os policiais fizeram de servir à sociedade. E lembrou que, acima da crise, a um "valor maior" a ser preservado. "Uma vida não tem volta", disse. O problema é que não há, por ora, sinais de disposição dos policiais de atender ao pedido do ministro.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.