Sete governadores atribuem a crise em penitenciárias à União e pedem verbas
Josias de Souza
05/01/2018 02h39
Em manifesto datado desta sexta-feira (5), governadores de sete Estados firmaram posições conjuntas sobre a crise crônica do sistema prisional brasileiro. No documento, elaborado nas pegadas de rebelião que produziu nove mortos em presídio de Goiás, os subscritores acusam a União de se omitir: "Os entes federados enfrentam praticamente sozinhos os grandes desafios impostos pelo avanço da criminalidade." Cobram "a tomada de providências urgentes por parte do governo federal. E enumeram cinco sugestões. Quatro delas envolvem a liberação de verbas federais. Uma pede leis mais duras contra a bandidagem.
Assinaram o documento os governadores Marconi Perillo (Goiás), Rodrigo Rollemberg (Distrito Federal), Pedro Taques (Mato Grosso), Reinaldo Azambuja (Mato Grosso do Sul), Marcelo Miranda (Tocantins), Confúcio Moura (Rondônia) e Flávio Dino (Maranhão). Tomado pelo conteúdo, o manifesto parece ter sido concebido mais com o propósito de transferir culpas do que construir soluções.
No velho jogo de empurra que embala a tragédia da segurança pública, Brasília alega que o flagelo é de uma responsabilidade constitucional dos Estados. De acordo com os signatários do manifesto, a crise que os Estados combatem sozinhos envolve "sobretudo as ações de grupos organizados para o tráfico de drogas e crimes correlatos" —encrencas da alçada federal.
Os governadores enumeram problemas que poderiam ter sido listadas por qualquer líder de oposição interessado em apontar a ineficiências de suas respectivas gestões: "As dificuldades também englobam o sucateamento das estruturas carcerárias, o efetivo das forças de segurança pública insuficiente, rebeliões, mortes e fugas frequentes no sistema prisional, bem como leis inadequadas que incentivam a impunidade", anotaram os autores do documento.
Considerando-se as soluções apresentadas, o manifesto dos governadores é um programa maravilhoso para ser executado por Alice no país dos espelhos. Partindo do pressuposto de que sobra dinheiro nas arcas do Tesouro Nacional, o texto sugere a criação de um "Fundo Nacional de Segurança Pública." Coisa a ser abastecida "com recursos substanciais". Verbas "não contingenciáveis" pelos operadores de tesouras da equipe econômica. Dinheiro suficiente para "suportar as necessidades apresentadas pelos Estados."
Recomenda-se a criação de um "programa nacional de defesa e repressão qualificada nas fronteiras do país para coibir os crimes relacionados ao tráfico de armas e de drogas." De novo, algo a ser sustentado economicamente pelo governo federal." O mesmo governo que convive com a ameaça de descumprir a meta fiscal que prevê uma cratera de R$ 159 bilhões nas contas de 2018.
Exige-se o "descontingenciamento imediato dos recursos que ainda estão retidos no Fundo Penitenciário Nacional (Funpen)." Alega-se que "eles poderão suprir, em parte, as necessidades emergenciais dos Estados que precisam ampliar o número de vagas em presídios e custear o sistema." Quanto a esse ponto, declarações feitas pelo ministro Torquato Jardim (Justiça) sugerem que os governadores mentem.
Sem entrar no mérito dos cortes orçamentários, o ministro da Justiça tem afirmado que os Estados não utilizam, usam mal ou simplesmente desviam as verbas do fundo penitenciário, repassadas pela pasta da Justiça. Repare no vídeo abaixo as afirmações feitas ao blog por Torquato sobre esse tema no final de outubro.
Noutra sugestão que envolve o desembolso de verbas do Tesouro, os governadores pedem a "criação de novos estabelecimentos penais federais". Nessa matéria, Torquato também costuma afirmar que não falta disposição para erguer novos presídios federais. O difícil tem sido encontrar Estados que se habilitem a reservar um pedaço do seu mapa para recepcionar a obra.
Como os governadores falaram de dinheiro sem mencionar cifras, a leitura do manifesto produz a sensação de que o texto foi redigido por gestores públicos que enxergam o orçamento como uma conta que não precisa ser feita, para saber como aplicar um dinheiro que não existe no cofre. Um documento assim serve para muitas coisas, menos para resolver problemas graves como a crise prisional.
No único tópico do texto em que não falam de dinheiro, os governadores defendem a "adoção de uma legislação mais rígida para a penalização de crimes." Desejam rediscutir a "progressão de regime de penas" que permite a suavização gradativa do castigo na proporção direta da evolução do cumprimento das sentenças. Deseja-se "o fim da cultura da impunidade."
Trata-se de extraordinária sugestão, sobretudo se valer também para os políticos corruptos, uma categoria sub-representada nas cadeias nacionais. Pode-se melhorar a corajosa iniciativa dos governadores. Basta incluir na proposta a ideia de soltar os cerca de 225 mil presos provisórios que se encontram atrás das grades sem sentenças condenatórias. Liberando essa gente, em sua maioria negra e pobre, abre-se mais espaço para os corruptos.
Vai abaixo a íntegra do manifesto dos governadores:
Nós, governadores do Consórcio Interestadual de desenvolvimento do Brasil Central (BrC), vimos de público manifestar nossa preocupação a propósito do agravamento da crise da segurança pública no país, particularmente no sistema penitenciário, o que exige a tomada de providências urgentes por parte do Governo Federal.
Os entes federados enfrentam praticamente sozinhos os grandes desafios impostos pelo avanço da criminalidade, sobretudo as ações de grupos organizados para o tráfico de drogas e crimes correlatos. As dificuldades também englobam o sucateamento das estruturas carcerárias, o efetivo das forças de segurança pública insuficiente, rebeliões, mortes e fugas frequentes no sistema prisional, bem como leis inadequadas que incentivam a impunidade.
Diante disso, e considerando a falta de efetiva participação do Governo Federal na definição de políticas públicas para a segurança pública e reestruturação do sistema penitenciário brasileiro, propomos:
1º) Criação de um Fundo Nacional de Segurança Pública com recursos substanciáveis, e não contingenciáveis, que possam suportar as necessidades apresentadas pelos estados.
2º) Instituição de um programa nacional de defesa e repressão qualificada nas fronteiras do país para coibir os crimes relacionados ao tráfico de armas e de drogas. O programa envolverá as polícias da União, Federal e Rodoviária Federal, e terá a participação das policiais estaduais dos estados fronteiriços. Esse programa será sustentado economicamente pelo Governo Federal.
3º) Criação de novos estabelecimentos penais federais para receber os presos que requerem vigilância de alta complexidade, deixando os presídios estaduais para detentos de média e de baixa periculosidades.
4º) Descontingenciamento imediato dos recursos que ainda estão retidos no Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). Eles poderão suprir, em parte, as necessidades emergenciais dos estados que precisam ampliar o número de vagas em presídios e custear o sistema.
5º) Adoção de uma legislação mais rígida para a penalização de crimes, com a rediscussão da progressão de regime de penas visando o fim da cultura da impunidade.
Estamos convencidos de que, dessa forma, sobretudo com uma maior participação do Governo Federal na gestão da segurança pública, os estados poderão quebrar paradigmas e avançar na reestruturação do sistema penitenciário. A sociedade brasileira tem urgência na implantação de medidas que colaborem de maneira efetiva no processo de construção de uma cultura de paz."
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.