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Para Torquato, Temer é investigado ilegalmente

Josias de Souza

07/03/2018 03h18

O ministro Torquato Jardim (Justiça) sustenta que a investigação de atos praticados por Michel Temer antes do início de sua Presidência desrespeita a Constituição. Ele escora seu ponto de vista no parágrafo 4º do artigo 86. Nesse trecho, o texto constitucional anota: "O presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções". Para Torquato, a inobservância desse princípio põe em risco a própria "estabilidade institucional do país."

O titular da pasta da Justiça produziu uma reflexão por escrito a respeito do tema. Enviou suas conclusões ao blog. Fez isso depois que dois magistrados da Suprema Corte autorizaram a Polícia Federal a investigar Temer por fatos que antecederam sua ascensão à poltrona de presidente.

Por exemplo: ao determinar a quebra do sigilo bancário de Temer no período de janeiro de 2013 a junho de 2017, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo que apura a suspeita de favorecimento a empresas portuárias em troca de propina, incluiu um período em que Temer ainda era vice-presidente. O impeachent de Dilma Rousseff só foi aprovado pelo Senado em 31 de agosto de 2016.

Noutro episódio, o relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin incluiu Temer no rol de investigados no inquérito sobre a propina de R$ 10 milhões que o delator Marcelo Odebrecht confessou ter negociado no Palácio Jaburu em 2014 —de novo, antes da ascensão de Temer à Presidência. Neste caso, Fachin atendeu a uma solitação da procuradora-geral da República Raquel Dodge.

No entendimento de Dodge, investigar não é o mesmo que responsabilizar o presidente. A apuração evitaria o comprometimento de provas. Na hipótese de comprovação dos crimes, o presidente seria denunciado e, eventualmente, convertido em réu apenas depois do término do seu mandato. Antecessor de Fachin na relatoria da Lava Jato, o ex-ministro Teori Zavaschi, morto em acidente aéreo, abraçara a mesma tese de Rachel Dodge num despacho de maio de 2015.

Torquato questiona: "Suponha-se que uma investigação responsabilizadora do presidente da República concluísse pela sua ocorrência [de crime]. Qual é o resultado? Nenhum. Isto porque, na concepção daqueles que acham que investigar não é responsabilizar, a esta altura nada poderiam fazer porque o 'presidente da República não pode ser responsabilizado'."

O ministro da Justiça prossegue: "Imagine-se mais: que a investigação responsabilizadora chegue à conclusão de que o delito não foi praticado. Não haveria possibilidade de nenhuma ação penal. Quem arcará com o prejuízo causado à nação pela investigação responsabilizadora?" Vai abaixo a íntegra do texto enviado por Torquato Jardim ao blog:

Art. 86, § 4º, Constituição Federal de 1988

Diz o Art. 86, § 4º, CF/88: 'O presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções'. Como interpretá-lo?

São duas as interpretações: uma, literal; outra, teleológica. Ambas levam à mesma conclusão: até o final do seu mandato o presidente da República não pode ser investigados por atos estranhos à função.

Tome-se a literal. Responsabilidade vem do verbo responder. Quando a Constituição diz 'não pode ser responsabilizado', significa não pode responder. A investigação exige respostas. Portanto, o início da responsabilidade se dá pelo início da investigação, quando respostas serão dadas pelos mais variados meios, com vistas a corporificar a responsabilização já iniciada.

Ainda, na literal. O Art. 86 trata dos crimes 'de responsabilidade'. Aqui, a responsabilização é em razão de atos praticados no mandato. Aí a aplicação da responsabilização é imediata. E como se inicia o processo do crime de responsabilidade? Pela suspensão de suas funções e até pelo seu afastamento definitivo pelo Congresso Nacional. Veja-se que, neste caso, a responsabilização se inicia pela apuração, o que significa investigação. Portanto, a palavra responsabilidade tem o mesmo significado em ambas as hipóteses. Aliás, elas estão encartadas no mesmo Art. 86 da Constituição Federal.

Agora a interpretação teleológica. Qual é o objetivo da norma impeditiva da responsabilização, portanto, da investigação contra o presidente da República, por atos estranhos ao exercício de suas funções? É a manutenção da estabilidade institucional do país.

Suponha-se que uma investigação responsabilizadora do presidente da República concluísse pela sua ocorrência. Qual é o resultado? Nenhum. Isto porque, na concepção daqueles que acham que investigar não é responsabilizar, a esta altura nada poderiam fazer porque o 'presidente da República não pode ser responsabilizado'.

Imagine-se mais: que a investigação responsabilizadora chegue à conclusão de que o delito não foi praticado. Não haveria possibilidade de nenhuma ação penal. Quem arcará com o prejuízo causado à Nação pela investigação responsabilizadora? Nos crimes e delitos praticados durante o exercício do mandato, o presidente da República pode ser processado sem nenhuma restrição constitucional. Aliás, se a interpretação dada ao Art. 86, § 4º, fosse clara, o constituinte não precisaria fazer uma distinção entre as infrações penais comuns (Art. 86, § 1º, CF/88) e a responsabilização por atos estranhos ao exercício de suas funções (Art. 86, § 4º, CF/88). Diria, simplesmente, que em todas as infrações penais comuns, se recebida a denúncia, ou queixa-crime pelo STF, estaria ele suspenso de suas funções (Art. 86, § 1º, I, CF/88).

Requer o assunto um aprofundamento maior por parte da doutrina. As possíveis interpretações do referido dispositivo constitucional são nada além do que convite à reflexão. Afinal, o direito busca, na medida do possível, o justo. Para os indivíduos e para o País.

'Eu gosto de escutar. Eu aprendi muito escutando cuidadosamente. A maioria das pessoas nunca escuta'. (Hemingway)

Torquato Jardim

Ministro de Estado da Justiça

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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