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STF vive dias de STL, Supremo Tribunal do Lula

Josias de Souza

20/03/2018 04h41

A seis dias do julgamento em que o TRF-4 deve confirmar a sentença que autorizará o juiz Sergio Moro a expedir a ordem de prisão de Lula, os ministros do Supremo Tribunal Federal farão, nesta terça-feira, uma reunião a portas fechadas. Foi convocada por sugestão do ministro mais antigo da Corte, o decano Celso de Mello. Ele é uma espécie de líder da banda que defende no Supremo a revisão da regra que permite a prisão de condenados em segunda instância, como Lula. Está empenhado em convencer Cármen Lúcia, presidente do STF, a pautar o julgamento de duas ações sobre o tema.

Nesta segunda-feira, Cármen Lúcia confirmou a reunião numa entrevista à Rádio Itatiaia (ouça abaixo). Esforçou-se para atribuir à novidade ares de normalidade: "O que tem de concreto é que o ministro Celso de Mello me disse que seria conveniente nós conversarmos, os ministros, se poderíamos nos encontrar. Não é nem reunião formal nem fui eu que convoquei. Mas é comum a conversa acontecer. Se recebo pessoal de fora, seria absurdo que nós não conversássemos. Não tem nada de convocação, muito menos de extraordinário nisso."

A única coisa extraordinária que há na conjuntura é a iminência do encarceramento de Lula. Na entrevista, Cármen Lúcia reiterou que não cogita marcar um novo julgamento sobre a prisão em segunda instância. Disse que o tema já foi decidido em 2016. Reanalisá-lo agora, em função de um caso específico, "seria quebrar o princípio constitucional da impessoalidade." O que poderia comprometer outro princípio caro aos magistrados: o da "imparcialidade." Mas a presidente do Supremo iluminou na entrevista a saída de emergência que pode ser aberta para Lula.

Cármen Lúcia disse que não hesitará em apregoar o julgamento do pedido de habeas corpus protocolado pela defesa de Lula se o relator da petição, ministro Edson Fachin, levar o tema ao plenário. Segundo ela, um habeas corpus "tem preferência constitucional. É uma ação nobre, porque lida com a liberdade."

A ministra acrescentou: "Todo e qualquer cidadão, desde uma liderança tão significativa, tão expressiva tão importante como o ex-presidente, até qualquer cidadão, tem o direito de ser julgado. E será julgado. Da minha parte, chegando ao plenário [o pedido de habeas corpus], levando o minsitro Fachin para que seja apregoado, será apregoado." Cármen Lúcia usou a palavra "imediatamente". Faria por qualquer cidadão —"mais ainda quando se tem um caso como esse, de extrema envergadura."

Há quatro dias, Fachin divulgou um despacho no qual negou pedido dos advogados de Lula para submeter ao plenário do Supremo o julgamento do habeas corpus que pode livrar o ex-presidente petista da cadeia. Embora Cármen Lúcia atribua ao relator da Lava Jato decisão de solicitar a apreciação do pedido, Fachin empurrou a batata quente para a presidente da Suprema Corte. Escreveu que será necessário aguardar "a designação de julgamento a critério da Presidência."

De passagem por São Paulo, onde participou de evento promovido por uma faculdade da qual é sócio, o ministro Gilmar Mendes ironizou o jogo de empurra. Sem mencionar os nomes de Cármen Lúcia e de Fachin, declarou: "Nunca ninguém discutiu a pauta ou não de um habeas corpus. Isso é coisa de Direito achado na rua. Quando há a possibilidade de o réu ser preso ou está preso, em geral, colocamos isso com a maior urgência. Isso não está à disposição do presidente."

Em condições normais, o Supremo deveria julgar e indeferir o habeas corpus de Lula. Faria isso porque está em pleno vigor a jurisprudência que autoriza a prisão de condenados no segundo grau. E não há vestígio de violência processual cometida contra Lula, condenado a 12 anos e 1 mês de cadeia. Entretanto, se a petição chegar ao plenário, é muito provável que seja utilizada como uma gambiarra para eletrificar o debate sobre a revisão da regra sobre prisão na segunda instância.

Ao farejar o cheiro de queimado, Sergio Moro incluiu uma reflexão sobre o tema no despacho em que determinou, nesta segunda-feira, a prisão do ex-vice-presidente da Engevix, Gerson de Mello Almada, também condenado no TRF-4, exatamente como Lula. O juiz da Lava Jato anotou:

"Com todo o respeito ao Egrégio Supremo Tribunal Federal, uma eventual alteração seria desastrosa para os avanços havidos recentemente em prol do fim da impunidade da grande corrupção no Brasil."

Noutro trecho, Moro escreveu: "A presunção de inocência não deve ser interpretada como um véu de ignorância que impede a apreensão da realidade nem como um manto protetor para criminosos poderosos, quando inexistir dúvida quanto à sua culpa reconhecida nos julgamentos."

O Supremo, o nome já indica, é integrado pelos 11 magistrados mais poderosos do país. Mas um pedaço da Suprema Corte insiste, misteriosamente, em conspirar contra a própria supremacia. No trato com condenados poderosos, a instância máxima do Judiciário entrega-se a mistérios que são difíceis de entender. Um deles é essa irrefreável vontade que parte do STF tem de modificar a logomarca da Corte pra STL, Supremo Tribunal do Lula.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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