Justiça Eleitoral servirá uma pizza para Alckmin
Josias de Souza
11/04/2018 20h13
Ao remeter à Justiça Eleitoral o inquérito sobre os R$ 10,5 milhões recebidos por Geraldo Alckmin do departamento de propinas da Odebrecht, a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, condenou o presidenciável do PSDB a saborear uma pizza. A doutora ligou o forno com o beneplácito da Procuradoria-Geral da República. Sem mandato desde a última sexta-feira, Alckmin perdeu o foro privilegiado do STJ. Mas livrou-se do risco de ser abalroado por uma denúncia criminal na primeira instância do Judiciário em plena campanha eleitoral.
Em ofício enviado a Brasília, 11 procuradores da força-tarefa da Lava Jato em São Paulo pediram que o processo sobre Alckmin lhes fosse enviado "com a maior brevidade possível." No documento, alegou-se que a "urgência" se justificava "tendo em vista o andamento avançado de outras apurações correlatas sob nossa responsabilidade". Mantidas sob sigilo, essas apurações envolvem personagens como Adhemar Cesar Ribeiro, um cunhado de Alckmin apontado por delatores da Odebrecht como coletor de verbas de má origem destinadas ao tucano.
Submetido ao pedido dos procuradores, o vice-procurador-geral Luciano Mariz Maia deu de ombros. Pediu ao STJ que enviasse o processo contra Alckmin para a Justiça Eleitoral de São Paulo, não para a Lava Jato. Alegou que os indícios colecionados contra Alckmin apontam para um caso de caixa dois de campanha. Coisa sujeita à esfera eleitoral, não criminal.
A diferença entre uma coisa e outra é descomunal. No Brasil, caixa dois é quase uma banalidade. Propina é outra coisa. Dinheiro mal aplicado na campanha costuma dar em impunidade. Verba embolsado à sombra, como descobriram os delatores da Odebrecht, passou a dar cadeia. Bem embaralhada, essa discussão pode transformar um urubu malcheiroso num tucano perfumado. Ao sentir o cheiro de orégano, Alckmin pôs-se a piar alegremente. A delação da Odebrecht possui "natureza eleitoral", disse ele. "Não tem nenhuma procedência", completou.
No julgamento que resultou na absolvição da chapa Dilma-Temer, no Tribunal Superior Eleitoral, o relator do caso, ministro Heman Benjamin, votou pela cassação. Contudo, ele já farejava o resultado no instante em que leu o seu voto. Por isso, soou em timbre fúnebre: "Eu, como juiz, recuso o papel de coveiro de prova viva", disse Benjamin. "Posso até participar do velório. Mas não carrego o caixão."
Naquele julgamento histórico, estabeleceu-se um padrão. O TSE mandou à sepultura provas testemunhais e documentais referentes à Odebrecht e ao casal de marqueteiros João Santana e Monica Moura. Revelavam que Dilma e Temer haviam prevalecido em 2014 numa campanha bancada com verbas sujas. Deu no que deu: em nada. É nesse doce paraíso que Alckmin acaba de ser acomodado.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
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