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Preso, Lula virou candidato por correspondência

Josias de Souza

02/05/2018 02h42

A necessidade é a mãe da criatividade. Em plena era digital, Lula reinventou a carta. Virou candidato por correspondência. Atribuiu nova serventia aos advogados. Os doutores ainda não conseguiram livrá-lo da cadeia. Mas possuem ótima caligrafia. Lula só não conseguiu renovar o discurso. Mas seus devotos não se importam.

Neste 1º de Maio, Gleisi Hoffmann leu mais uma carta de Lula. Deu-se no encerramento do ato que reuniu em Curitiba as principais centrais sindicais do país. O missivista do cárcere declarou-se triste, porque "nossa democracia está incompleta". Comparou os tempos bicudos da era Michel Temer —"O desemprego cresce e humilha"— à pujança de sua época —"Vocês se lembram da prosperidade do Brasil naqueles tempos…"

Embora faltassem a Gleisi a rouquidão e a desenvoltura de palco, o timbre eleitoreiro saltou, indisfarçável, do texto ditado para os advogados. "Sabemos que esse Brasil é possível. Mais do que isso, já vivemos nesse Brasil há muito pouco tempo atrás".

Tomado pelos termos da carta, Lula deve ter sido picado na cela especial de Curitiba pelo mosquito que transmite uma febre causadora de amnésia. O sumiço da memória apagou da carta do presidiário petista a companheira Dilma Rousseff.

A gestão de Temer revela-se perversa. Mas a ruína econômica que espalhou desemprego e desesperança é consequência direta do desastre gerencial produzido por Dilma —um poste que Lula elegeu e que teve Gleisi como uma cultuada chefe da Casa Civil.

A correspondência do cárcere ataca Temer da boca para fora. No íntimo, o missivista agradece aos "golpistas". Depois de fazer a sucessora duas vezes, Lula estava sendo desfeito por ela. Sem o impeachment, não haveria um Michel Temer para chutar.

Com Dilma em casa, o missivista do cárcere pode exercitar livremente sua mania de confundir memória com consciência limpa. Os devotos não se incomodam. O importante é manter em pé a hipotética candidatura. "Se alguém falar em Plano B  para vocês, não acreditem", disse a ré Gleisi para a plateia.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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