Politicagem prejudica o socorro a venezuelanos
Josias de Souza
20/08/2018 06h30
O flagelo dos refugiados venezuelanos, que parecia apenas dramático, tornou-se trágico. Mesmo quem não entende nada de política é capaz de enxergar a politicagem por trás do surto de violência que empurrou de volta para a Venezuela cerca de 1.200 refugiados da ruína bolivariana de Nicolás Maduro. Os governos federal e de Roraima meteram-se num jogo de empurra que condiciona o socorro humanitário à superação da mesquinharia política.
Premido pela má repercussão da explosão de irracionalidade que devastou o que restava de solidariedade na cidade de Pacaraima (RR), Michel Temer reuniu um grupo de ministros em pleno domingo. Ao final do encontro, o Planalto divulgou uma nota para informar, essencialmente, que o presidente e seus auxiliares avaliam que realizam um ótimo trabalho no gerenciamento da crise dos refugiados.
O texto esclarece que Brasília "já tomou providências que somam mais de R$ 200 milhões." Anuncia novas medidas. Mais do mesmo: abrigos, reforço policial, isso, mais aquilo e, sobretudo, a intensificação do processo de "interiorização" dos refugiados, distribuindo-os por outros Estados.
A certa altura, a nota que Temer mandou divulgar insinua que o Planalto só não ajuda mais porque o governo de Roraima, comandado pela governadora Suely Campos (PP), não deixa.
"O governo continua em condições de empregar as Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem em Roraima", escreveu a assessoria de Temer na nota. "Por força de lei, tal iniciativa depende da solicitação expressa da senhora governadora do Estado."
A senhora governadora subiu no caixote. Mandou dizer, por meio de um assessor: "Essa nota é infeliz e eleitoral. Nós já pedimos inúmeras vezes o envio das Forças Armadas, e fomos ignorados. Surpreende o desconhecimento do governo federal do problema em Roraima."
Candidata à reeleição, Suely Campos é adversária ferrenha de Romero Jucá (MDB-RR), o líder do governo Temer no Senado. A portas fechadas, a turma do Alvorada destilou a suspeita de que Suely e seus correligionários estimulam reações xenófobas contra os venezuelanos. Em Roraima, a governadora e seus auxiliares acusam a União de omissão.
Quem observa à distância o empurra-empurra, com seus reflexos sobre a vida dos venezuelanos pobres que pedem socorro, fica sem saber para onde caminha a humanidade. Mas observa com muita atenção, porque, quando souber, correrá para o outro lado.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.