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General Mourão agora dá preconceito em cachos

Josias de Souza

17/09/2018 20h27

O general Hamilton Mourão, vice na chapa de Jair Bolsonaro, inovou. Passou a dar preconceitos em cachos. Numa frase, ofendeu simultaneamente três nichos sociais capazes de fazer a glória ou o infortúnio de uma chapa presidencial: mulheres e gays em particular, pobres em geral.

O número dois da chapa de Bolsonaro discorria numa palestra sobre a importância da preservação do núcleo das famílias. Para ele, há uma crise de costumes no mundo. Queixou-se da dissolução familiar provocada por "agendas particulares que tentam impor ao conjunto da sociedade". Parecia referir-se à união entre casais do mesmo sexo.

Sobre o Brasil, Mourão sapecou: "A partir do momento em que a família é dissociada, surgem os problemas sociais. Atacam eminentemente nas áreas carentes, onde não há pai e avô, é mãe e avó. E, por isso, torna-se realmente uma fábrica de elementos desajustados que tendem a ingressar nessas narco-quadrilhas".

Famílias heterodoxas existem em todos os estratos sociais. Supor que só as carentes dão defeito é demofobia (pode me chamar de aversão ao povo). Nos programas sociais, o dinheiro e o título de propriedade são repassados sempre às mulheres, pois são elas o esteio da maioria das famílias. Imaginar que pais e avôs são melhores que mães e avós é machismo sem causa.

De resto, tratar famílias pobres e heterodoxas como usinas de marginais é uma desinformação homofóbica que não recomenda um candidato à vice-presidência do país. A "fábrica de elementos desajustados" está nas residências abastadas, não está nos lares pobres —sejam eles comandados por mulheres ou homens, gays ou héteros.

Por que existe o narcotráfico?, eis a pergunta singela que o general Mourão deveria fazer aos seus botões. O tráfico existe porque há um mercado consumidor, eis a resposta óbvia. Vende-se cocaína no Brasil porque há quem a aspire. Vende-se muita cocaína, porque há quem tenha dinheiro para sorvê-la a em grandes quantidades.

A meninada das comunidades pobres vira "avião" de traficante porque mamãe, vovó, papai e vovô são abandonadas à própria sorte pelo Estado, incapaz de prover o básico: educação, segurança e emprego. A tese de que famílias da periferia não conseguem cuidar dos filhos é prima-irmã da máxima segundo a qual pobre não sabe votar. Graças a essa premissa, o país foi governado por cinco generais escolhidos sem a interferência popular. Deu no que está dando.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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