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Corrupção faz do STF palco de guerrilha judicial

Josias de Souza

29/11/2018 21h40

O julgamento sobre o decreto de indulto editado por Michel Temer transformou o plenário do Supremo Tribunal Federal em palco de uma guerrilha judicial. De um lado, a trincheira majoritária, favorável ao decreto que incluiu corruptos no rol dos beneficiários de indulto. Na outra ponta, a barricada minoritária, que molha a toga num último esforço para tentar impedir que Temer reincida no cinismo de renovar no Natal de 2018 o perdão que tentou conceder no ano passado a larápios presos. Produziu-se um impasse que constrange a Suprema Corte. A encrenca foi adiada. Mas pode ser retomada na semana que vem.

O debate travado na véspera dera ao julgamento uma aparência de jogo jogado. Sabia-se que o Supremo avalizaria o decreto de Temer por uma maioria que poderia chegar a 7 a 4. Quando o placar registrava 3 a 2, Luiz Fux anunciou que pediria vista do processo. Em condições normais, o julgamento seria adiado por tempo indeterminado. Mas a infantaria pró-indulto farejou na manobra a intenção de protelar a proclamação do resultado para 2019. Temer estaria fora do trono. E o sucessor Jair Bolsonaro já declarou que não cogita indultar presidiários.

Dando de ombros para o pedido protelatório de Fux, os ministros Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes proferiram seus votos, a favor do restabelecimento do decreto de Temer. Faltava colher os votos do próprio Fux, de Cármen Lúcia, de Celso de Mello e de Dias Toffoli. Na presidência da sessão, Toffoli chegou a anunciar o resultado parcial: 5 a 2. Quando a coisa se encaminhava para o encerramento, sem a formalização de um veredicto, Gilmar propôs a continuidade do julgamento. Toffolli deu meia-volta para permitir que Celso de Mello votasse.

Dessa maneira, meio aos trancos, seis ministros —Alexandre de Moraes,Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Celso de Mello— cerraram fileiras no pelotão que sustenta a posição segundo a qual a Constituição dá ao presidente da República poderes para definir as regras do indulto, sem que o Judiciário possa meter o bedelho no decreto.

Dois magistrados —Luís Roberto Barroso (relator) e Edson Fachin— votaram em sentido contrário. Para eles, os poderes do presidente não são ilimitados. Nessa interpretação do texto constitucional, a Suprema Corte pode, sim, reduzir a extensão de um decreto de indulto. No caso da peça editada por Temer, a intervenção foi necessária para, entre outras coisas, excluir os corruptos da lista de beneficiários do perdão.

Formada a maioria, sobreveio um constrangimento. Autor da liminar que suprimira trechos do decreto de Temer, Barroso declarou que sua decisão deveria ser mantida até que Fux, tendo exercido o seu direito ao pedido de vista, devolvesse o processo ao plenário. "Todos sabem o que está acontecendo aqui", disse Barroso. "E ninguém ignora o que eu penso."

Foi como se Barroso declarasse o seguinte: "Uma ala do Supremo integra o pacto oligárquico que protege quem não merece proteção. Estou do outro lado da história." Alegou-se que a proximidade do Natal impunha a suspensão da liminar. Do contrário, Temer não poderia editar o decreto de indulto natalino deste ano.

Os pregoeiros da urgência alegaram que todos são contra a corrupção. Mas realçaram que não se deve ignorar que o indulto beneficia uma legião de presos pobres, cuja liberação desafoga o sistema carcerário. Barroso interveio para lembrar que sua liminar não proibiu Temer de conceder indulto. Apenas podou a benemerência excessiva do decreto de 2017.

Proibiu, por exemplo, a abertura das celas dos sentenciados por crimes como peculato, concussão, corrupção passiva, corrupção ativa, tráfico de influência, fraudes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro. Mas autorizou a libertação de condenados por crimes "sem violência", desde que sentenciados a até 8 anos de cadeia e que já tivessem cumprido pelo menos um terço da pena. Nada de perdoar 80% do castigo e 100% das multas, como queria Temer.

Ora, se não havia no plenário do Supremo quem se declarasse a favor da corrupção e se a liminar não amarrava as mãos de Temer, nada impedia a concessão do pedido de vista para Fux. Entretando, Gilmar Mendes, conselheiro jurídico do presidente da República, insistiu na tese de que a liminar deveria ser cassada imediatamente. Toffoli viu-se compelido a submeter a proposta a voto. Deu-se novo constrangimento.

Embora integrasse a ala majoritária, Rosa Weber engrossou a minoria ao posicionar-se a favor do adiamento da proclamação do resultado, em respeito ao pedido de vista de Fux. Rosa somou-se, assim, a outros quatro colegas: o próprio Fux, Barroso, Fachin e Cármen Lúcia. Desfalcada de Ricardo Lewandowski, que se ausentara mais cedo do plenário, a outra ala reuniu Gilmar, Alexandre, Marco Aurélio e Celso.

Súbito, inverteu-se a lógica. O grupo que detinha a maoria viu-se momentaneamente em minoria: 4 a 5. Supostamente favorável ao decreto de Temer, Toffoli poderia ter votado. Nessa hipótese, haveria um empate: 5 a 5. Esticando um pouco mais a corda, Toffoli poderia exercer a prerrogativa regimental que o presidente a votar duas vezes, para dirimir impasses. Preferiu adiar a sessão sem manifestar o seu voto. Pediu vista da questão de ordem relacionada ao momento em que a liminar de Barroso deve ser revogada —antes ou depois do decurso do pedido de vista de Fux?

Foi assim, recorrendo a expedientes que converteram o plenário do Supremo numa espécie de Vietnã, que a minoria conseguiu protelar o jogo que estava jogado. Entretanto, a vitória pode ter um fôlego muito curto. Se quiser, Toffoli pode incuir a encrenca na pauta da próxima semana. Presente, Lewandowski pronunciaria o voto que deixou de dar nesta quinta-feira, a favor da revogação da liminar que impediu o indulto de corruptos. Toffoli também anunciaria seu voto.

Nessa hipótese, o placar de 4 a 5 que deu sobrevida à liminar de Barroso viraria um 6 a 5. E Temer ganharia um salvo conduto para reeditar no Natal de 2018 um decreto tão concessivo ou até mais benevolente com os corruptos do que o documento do ano passado. O Supremo se autocondenaria à execração, posicionando-se na contramão do esforço anticorrupção que produziu a Lava Jato e suas consequências. Mas a maioria da Corte parece não se incomodar.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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