Palocci faz da retórica do PT parafuso espanado
Josias de Souza
01/12/2018 00h55
Na primeira reunião do seu diretório nacional depois das eleições de 2018, o Partido dos Trabalhadores fixou duas prioridades. Segundo a presidente da legenda, Gleisi Hoffmann, são as seguintes: a defesa intransigente de Lula e a formação de uma ampla frente partidária em defesa da democracia. É como se o PT planejasse o seu futuro atrasando o relógio, pois o 'Lula Livre' e caravana democrática foram os motes da campanha em que o antipetismo elegeu Jair Bolsonaro presidente da República.
Nesse instante em que o PT tenta se reposicionar no palco olhando para trás, duas delações-companheiras de Antonio Palocci complicam o esforço. O PT atribui seu apodrecimento a uma hipotética perseguição coletiva que envolve delegados, procuradores, juízes e jornalistas. Palocci subverte esse discurso. Firmados com a PF, os acordos de colaboração de Palocci foram homologados pelo TRF-4 e pelo Supremo. Encrencaram-se Lula, Dilma, políticos com mandato e gente do mercado financeiro.
Ao comentar numa nota a decisão do TRF-4 de premiar o delator com redução da pena e a transferência da cadeia para a prisão domiciliar, o PT insinuou que Palocci fez um grande nergócio. Devolverá R$ 35 milhões. Mas como a Lava Jata atribuiu a ele um patrimônio de R$ 80 milhões, o PT escreveu que Palocci "sairá livre com R$ 45 milhões nos bolsos." Está evidente que o PT já não precisa de acusadores. Tornou-se um caso raro de autoincriminação.
Nenhum outro petista teve mais poder sob Lula do que Palocci. Coordenou eleições e comandou os negócios do Estado como ministro da Fazenda. Não fosse pelo escândalo da violação do sigilo bancária do caseiro Francenildo, o sucessor de Lula teria sido Palocci, não Dilma. Embora o detestasse, Dilma teve de aturar Palocci na chefia da Casa Civil. Ao dizer que o ex-filiado "sairá livre com R$ 45 milhões" de má origem, o PT está afirmando, com outras palavras, o seguinte: "Palocci roubou porque oferecemos a ele todas as oportunidades." Num ambiente assim, o 'Lula Livre' e a frente democrática são como parafusos espanados rodando a esmo.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.