Aureliano, modelo de vice de Mourão, notabilizou-se por divergir do titular
Josias de Souza
05/12/2018 19h02
Os vices, como os ciprestes, costumam crescer apenas à beira do túmulo. Mas há exceções. Hamilton Mourão, por exemplo, começa a exibir os galhos antes da posse. "Serei uma mistura de Marco Maciel e Aureliano Chaves", disse o número dois de Jair Bolsonaro nesta quarta-feira, referindo-se aos vices de Fernando Henrique Cardoso e do general João Baptista Figueiredo. Maciel foi um vice dos sonhos. Era quase invisível de tão magro e reservado. Aureliano, entretanto, frequenta o verbete da enciclopédia como um pesadelo que tirou o sono do último presidente da era militar. Corpulento e expansivo, foi um vice, por assim dizer, espaçoso.
"O Marco Maciel era uma pessoa extremamente discreta, um político hábil. É um bom exemplo de vice-presidente", enalteceu Mourão, antes de acrescentar: "O Aureliano era um pouquinho mais audaz. Mas é também um bom exemplo para ser seguido." Recém-saído do quadro ativo do Exército, o general que Bolsonaro escolheu como companheiro de jornada parece ambicionar uma nova carreira: "Aureliano era político. Eu acabo aprendendo."
Afora as substituições rotineiras, Aureliano, o protótipo de Mourão, comandou o Planalto em duas longas interinidades. Numa, iniciada em setembro de 1981, um infarto obrigou Figueiredo a tirar licença de 60 dias. Voltou 49 dias depois, incomodado com a desenvoltura do vice. Noutra, em julho de 1983, Figueiredo ausentou-se do cargo por tempo indeterminado, para implantar pontes de safena no peito numa clínica de Cleveland, nos Estados Unidos. Reassumiu em 44 dias.
Na primeira interinidade elástica, Aureliano fez até discurso de posse. Pregou a união nacional. Recusou-se a executar uma providência que todos no governo consideravam inevitável. Ele não expulsou do Brasil os padres franceses Aristides Camio e François Gouriou. Ambos haviam sido presos sob a acusação de insuflar posseiros, instando-os a pegar em armas na região do Araguaia. Se estivesse dentro dos sapatos de Aureliano, Mourão talvez não chegasse a tanto —menos por ousadia do que por ideologia.
Na segunda interinidade hipertrofiada, Aureliano meteu-se na seara do então czar da Economia, Delfim Netto, o Posto Ipiranga da época. Enquanto Delfim negociava um acordo com o FMI, para restabelecer o crédito do Brasil junto aos bancos internacionais, o presidente interino pregava a moratória. Ecoando o PMDB, então o maior partido da oposição, Aureliano pregava a suspensão do pagamento da dívida externa por um período de até quatro anos.
As relações entre Aureliano e Figueiredo, foram ao freezer. E o vice sentiu-se à vontade para alçar seu voo solo. Abriu uma dissidência no PDS, o partido da ditadura, lançando-se candidato ao Planalto à revelia do general-presidente. Começou a tricotar com lideranças oposicionistas do porte de Ulysses Guimarães. Passou a defender as eleições diretas. Contido pelos ministros militares, não foi aos comícios das Diretas Já. Mas converteu o Palácio do Jaburu, a residência oficial do vice, num centro de maquinações oposicionistas.
Em sua escalada, Aureliano ajudou a articular a chamada Frente Liberal, braço dissidente do PDS, hoje batizado de DEM, depois de ter sido PFL. O grupo do vice de Figueiredo saltou da canoa da ditadura para a caravela de Tancredo Neves, emplacando José Sarney como vice na chapa que prevaleceria no Colégio Eleitoral, em 1985.
Com a morte de Tancredo, o vice Sarney virou versa. E Aureliano foi premiado com o Ministério de Minas e Energia. Coisa combinada com Tancredo antes de sua morte. Aureliano disputaria a Presidência da República em 1989, com desempenho humilhante. Morto há 15 anos, Aureliano volta ao noticiário como "bom exemplo" de Hamilton Mourão. Sintomaticamente, a família Bolsonaro começa a olhar de esguelha para o general.
Dias atrás, o vereador carioca Carlos 'Zero Dois' Bolsonaro, escreveu no Twitter: "A morte de Jair Bolsonaro não interessa apenas aos inimigos declarados, mas também aos que estão muito perto." Responsável pelo abastecimento das redes sociais do pai durante a campanha eleitoral, Carlos absteve-se de dar nome aos coveiros. "Pensem e entendam todo o enredo diário!", limitou-se a escrever.
Para bom …tendedor ..eia ..lavra ..asta.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.