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Bolsa-teto dá à Justiça aparência de Legislativo

Josias de Souza

18/12/2018 16h52

Fez papel de palhaço quem acreditou que o reajuste do Judiciário levaria à extinção do auxílio-moradia pago aos juízes. Nesta terça-feira, em votação simbólica que durou menos de um minuto, o Conselho Nacional de Justiça aprovou resolução que ressuscita o bolsa-teto de R$ 4,3 mil mensais numa versão light. Antes, o mimo era para todos. Agora, vale só para os que forem transferidos de comarca.

Na prática, o CNJ apenas atrasou o relógio para 2014. Até aquele ano, o normal era que magistrados obrigados a mudar de cidade recebessem ajuda de custo do Estado. Foi então que, em decisões liminares (temporárias), o ministro Luiz Fux, do Supremo, estendeu o bolsa-teto a todos os juízes e procuradores do país. Inaugurou-se um espetáculo que deu ao Judiciário uma cara e uma rotina de Legislativo.

Durante quatro anos, os magistrados protagonizaram espetáculos de malabarismo verbal e ilusionismo factual para vender a tese segundo a qual o imoral era normal. Isso só foi possível porque Luiz Fux sentou em cima do seu universo liminar, impedindo que a Suprema Corte deliberasse sobre a constitucionalidade do auxílio-moradia planetário.

Quando um magistrado da Suprema Corte, com a cumplicidade dos seus pares, transforma benefício temporário em complemento salarial da corporação, a coisa fica feia. Quando o Supremo leva as liminares circenses ao balcão, trocando-as por um autoreajuste salarial de 16,38%, a coisa fica horrível. Quando a revogação das liminares ocorre sem que a Corte julgue a imoralidade, a coisa vira escândalo.

É como se magistrados e procuradores tivessem vivido durante quatro anos num Brasil liminar, um país onde era natural que juízes proprietários de lindas residências tungassem o contribuinte em R$ 4,3 mil mensais —ou R$ 8,6 mil, quando havia um casal de juízes na moradia. A pretexto de "moralizar" o bolsa-teto, o que o CNJ fez na tarde desta terça-feira foi escancarar o escárnio.

Os quatro anos de contracheques camuflados, a agenda sindical que criou uma nova CUT (Central Única das Togas) e o toma-lá-dá-cá salarial corroem a imagem do Judiciário. Para complicar, a corrosão aumenta num instante em que se esperava que o Supremo priorizasse a faxina da Lava Jato. E parece suceder o oposto.

A sessão do Conselho Nacional de Justiça foi comanda pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli. O mesmo que, na noite da véspera, sob atmosfera pecuniária, anunciou para 10 de abril o julgamento das ações que questionam a jurisprudência que permitiu a prisão de larápios condenados em segunda instância. Será a quarta vez que o Supremo rediscutirá a regra que impulsionou o esforço anticorrupção.

O Supremo parece não ter notado. Mas a plateia demonstrou nas urnas de 2018 uma certa indisposição para o uso de peruca vermelha. O brasileiro já não admite vestir "giubba". Jogou longe o nariz vermelho e o sapato grande. Tomou gosto pelo papel de estraga-festas. Num ambiente assim, pode não ser um grande negócio enfiar o Judiciário embaixo da mesma lona que abriga os políticos e suas prática$.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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