Temer receia ser preso após deixar o Planalto
Josias de Souza
23/12/2018 03h50
Em fim de mandato, Temer divide seus receios com auxiliares e cultiva a lealdade de Thor, o cão da família
Sob o impacto da terceira denúncia da Procuradoria-Geral da República, Michel Temer discutiu sua situação penal com um grupo restrito de auxiliares. Abalado, deixou transparecer seus maiores receios. Está pessimista. Avalia que deve ser preso após deixar o Planalto. O risco é real, concordaram seus interlocutores.
Temer foi aconselhado a passar uma temporada no exterior. Mencionou-se Portugal, onde tem amigos. Discutiu-se a ideia de dar aulas na universidade de Coimbra. Temer refugou o conselho. Ele descartou também a hipótese de cavar a indicação para uma embaixada —o que lhe garantiria a manutenção do escudo do foro privilegiado.
A poucos dias de passar a faixa presidencial para Jair Bolsonaro, o quase-ex-presidente vive a síndrome do que está por vir. O blog apurou que, ao explicar aos auxiliares por que excluiu do seu baralho a carta da saída via aeroporto internacional, Temer soou categórico: "Vão dizer que estou fugindo. E eu não vou fugir, vou enfrentar."
Há muito por enfrentar. Na denúncia que reacendeu os temores de Temer, a procuradora-geral da República Raquel Dodge acusou-o de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O caso envolve esquema no setor de portos, com desvios estimados em R$ 32,6 milhões entre agosto de 2016 e junho de 2017.
Entretanto, o contencioso penal que inquieta Temer é bem mais amplo. Envolve outras duas denúncias formuladas pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot a partir das delações do grupo JBS. Congeladas pela Câmara no ano passado, serão retiradas do freezer.
Sedado a pedido da Procuradoria, voltará a andar também o pedaço de um inquérito que envolve Temer numa encrenca de 2014, anterior ao início do seu mandato-tampão na Presidência. O caso envolve repasse de R$ 10 milhões do departamento de propinas da Odebrecht para Temer e seu grupo político.
De resto, Raquel Dodge requereu a abertura de cinco inquéritos novos. São filhotes da investigação sobre portos. Ou seja, Temer coleciona um total de nove pesadelos: três denúncias, um inquérito já instaurado e cinco inquéritos por instaurar. Todo esse contencioso descerá do Supremo Tribunal Federal para a primeira instância do Judiciário. O que potencializa o desassossego do réu.
Na última quinta-feira, sem mencionar o nome de Raquel Dodge, Temer acusou o baque sofrido na véspera, com a chegada da terceira denúncia ao Supremo. "Eu levo isto como uma mágoa, foram os ataques de natureza moral", disse ele, num rápido pronunciamento feito durante cerimônia de final de ano com servidores do Planalto.
Temer prosseguiu: "Vocês percebem que, sem embargo estar na vida pública e na política brasileira, eu não me transformei em carro alegórico. Pelo contrário. Eu sempre fui extremamente discreto em tudo aquilo que eu faço. E, portanto, quando vêm os ataques de natureza moral, daí que realmente isso me caceteia, me chateia, me aborrece. É a única coisa que me aborrece. No mais, só posso orgulhar-me do que fiz ao longo do tempo."
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.