Indulto sem corruptos não interessou a Temer
Josias de Souza
25/12/2018 05h19
Michel Temer não editou o tradicional decreto de indulto de Natal em 2018 porque não quis. É falsa a alegação do Planalto de que o presidente desistiu de perdoar a pena de criminosos não violentos porque o Supremo Tribunal Federal não concluiu o julgamento da ação que contestou o indulto do ano passado. Temer recebeu uma minuta de decreto. Previa o indulto de presos condenados a até oito anos de cadeia que já tivessem cumprido pelo menos um terço da pena. O texto excluía do rol de beneficiários os sentenciados por corrupção. E Temer, impedido de libertar a turma do colarinho branco, preferiu não soltar ninguém.
A minuta que Temer ignorou foi preparada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgão vinculado ao Ministério da Segurança Pública. No ano passado, contrariando recomendações desse mesmo colegiado, Temer estendera o indulto aos condenados por corrupção. Liberara o pagamento de 100% das multas. E reduzira o tempo mínimo de cumprimento da pena para 20%. Em decisão liminar (temporária), o ministro Luís Roberto Barroso derrubara a generosidade excessiva de Temer.
A liminar de Barroso foi submetida ao plenário do Supremo no final do mês passado. Dos 11 ministros, seis votoram a favor do restabelecimento do decreto de Temer, com a reinclusão do indulto aos corruptos e o restabelecimento das regras benevolentes. Embora a maioria pró-larápios já estivesse formada no Supremo, um pedido de vista do ministro Luiz Fux adiou a conclusão do julgamento, impedindo que o resultado fosse proclamado. Assim, permaneceu temporariamente de pé a liminar de Barroso. E a sugestão de minuta do CNPCP obervava os termos dessa liminar.
A exemplo de presidentes que o antecederam, Termer apresentou como principal razão para conceder indulto no Natal a necessidade de desafogar o abarrotado sistema penitenciário brasileiro. Dos 720 mil presos existentes no país, apenas 0,25% foram passados na tranca por corrupção e crimes correlatos como peculato e prevaricação. Ou seja, incluir os corruptos na fila dos candidatos ao perdão presidencial serviria para beneficiar a patota do petrolão e desafiar a paciência dos brasileiros, não para reduzir a superpopulação carcerária.
Ns palavras da ministra Cármen Lúcia, o refresco servido aos corruptos trasformara o indulto de Temer numa "benemerência sem causa". Com a manobra do pedido de vista, Luiz Fux impediu que Temer repetisse a dose em 2018. Pelas contas da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, pelo menos 21 corruptos condenados na maior operação anticorrupção já realizada no país seriam perdoados caso Temer reeditasse neste ano um indulto idêntico ao do ano passado.
Ao refugar a minuta que sugeria um indulto tradicional, sem o aditivo do perdão ao crime de corrupção, Temer potencializou a suspeita de que seu objetivo era o de abrir as celas dos corruptos, não o de atenuar o flagelo da superpopulação carcerária.
A impunidade dos corruptos, disse Luís Barroso em seu voto, "faz com que o direito penal deixe de desempenhar um dos seus mais importantes papeis, lastreado nos princípios de justiça e segurança jurídica inscritos na Constituição: o de funcionar como prevenção geral, isto é, de desestimular as pessoas de cometerem crimes pela probabilidade efetiva de virem a ser punidas se assim procederem."
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
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