Bolsonaro serve em Davos um discurso de Twitter
Josias de Souza
22/01/2019 16h58
Jair Bolsonaro dispunha de 45 minutos para discursar no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Falou por apenas seis minutos. Poderia ter aproveitado sua estreia internacional para seduzir chefes de Estado, presidentes de corporações globais, diretores de órgãos multilaterais e dirigentes de ONGs. Mas preferiu despejar sobre a audiência uma retórica de redes sociais. Disse coisas definitivas sem definir muito bem as coisas. Espremido, todo conteúdo de sua fala fornece um sumo que caberia em meia dúzia de tuítes. Foi constrangedor.
Na prática, Bolsonaro serviu em Davos uma versão ultralight do mesmo cardápio eleitoral digerido pelos brasileiros na campanha de 2018. Nos primeiros parágrafos, chegou a acenar com a perspectiva de "apresentar a todos o novo Brasil que estamos construindo." Era fake news. Ouviu-se a seguir um pronunciamento tão profundo quanto uma poça d'água —do tipo que uma formiguinha conseguiria atravessar com água pelas canelas.
"Vamos diminuir a carga tributária, simplificar as normas, facilitando a vida de quem deseja produzir, empreender, investir e gerar empregos", prometeu Bolsonaro, sem explicar como entregará a mercadoria. Nenhuma palavra sobre a reforma da Previdência. "Trabalharemos pela estabilidade macroeconômica, respeitando os contratos, privatizando e equilibrando as contas públicas", acrescentou, em timbre vago.
Ao inquirir Bolsonaro, o fundador do fórum de Davos, Klaus Schwab, ofereceu ao presidente brasileiro a chance de se redimir. De saída, perguntou quais seriam os "passos concretos" que Bolsonaro daria nos próximos meses para trazer à luz o "novo Brasil" de que que falara no discurso. Ao responder, Bolsonaro deixou claro que estava mesmo decidido a perder oportunidades. Abstendo-se de mencionar metas e prazos, caprichou no lero-lero.
O presidente repetiu platitudes. Coisas como "tirar o peso do Estado de cima de quem produz", investir na "educação ineficiente", "tirar o viés ideológico dos nossos negócios"… Ao resumir seus propósitos, o orador declarou: "Representamos um ponto de inflexão, onde (sic) a questão ideológica ficará de fora disso tudo." Não é nada, não é nada, Bolsonaro não disse nada mesmo.
A certa altura, Bolsonaro soou como um agente de turismo: "Conheçam a nossa Amazônia, nossas praias, nossas cidades e nosso Pantanal. O Brasil é um paraíso, mas ainda é pouco conhecido!" Na última frase, fez inveja aos pastores evangélicos: "Tendo como lema 'Deus acima de tudo', acredito que nossas relações trarão infindáveis progressos para todos."
Bolsonaro desperdiçou um pedaço do seu pronunciamento para dizer algo que ninguém ignora: "O Brasil ainda é uma economia relativamente fechada ao comércio internacional". E retomou o tom de candidato: "Tenham certeza de que, até o final do meu mandato, nossa equipe econômica, liderada pelo ministro Paulo Guedes, nos colocará no ranking dos 50 melhores países para se fazer negócios." Hoje, o Brasil é o 109º colocado num ranking do Banco Mundial.
Além de Paulo Guedes, Bolsonaro citou no seu micro-discurso o ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública): é "o homem certo para o combate à corrupção e o combate à lavagem de dinheiro." Suprema ironia: mais cedo, ao participar de um painel sobre corrupção, o ex-juiz da Lava Jato esquivara-se de uma pergunta sobre a movimentação bancária suspeita do senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente. "Não me cabe comentar."
Ficou boiando na atmosfera do fórum de Davos a sensação de que Bolsonaro pronunciou um discurso de Twitter para evitar arroubos e expansões que reproduzissem numa vitrine planetária as polêmicas que ardem no noticiário nacional. De fato, no fim das contas, algumas omissões foram mais valiosas do que o próprio discurso. Por exemplo: Num encontro que tem como tema central a "Globalização 4.0", Bolsonaro citou o ministro Ernesto Araújo (Itamaraty) sem ecoar a tola retórica "antiglobalismo" do seu chanceler.
A operação montada pelo governo para converter o governo Bolsonaro numa atração de Davos teria ficado mais barata para o contribuinte se o presidente ficasse no Brasil, plugado às redes sociais. Iriam à Suíça apenas os "Postos Ipiranga" Guedes e Moro. Se o objetivo era transferir para os ministros a tarefa de satisfazer o apetite internacional por esclarecimentos sobre o que está por vir no Brasil, o jato presidencial poderia ter ficado no hangar.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.