Feitiço de Toffoli virou-se contra feiticeiro Renan
Josias de Souza
03/02/2019 03h30
Ao candidatar-se à presidência do Senado pela quinta vez, Renan Calheiros livrou a instituição de um mito que arruinava sua imagem: a esperteza da velha raposa de Alagoas. Em má fase, Renan demonstrou que, entre o certo e o errado, há sempre espaço para mais erros na política.
De todos os equívocos que produziram a derrota de Renan o despacho noturno do amigo Dias Toffoli foi a macumba mais surpreendente. A raposa e seu séquito celebraram efusivamente a anulação judicial da votação na qual 50 senadores haviam instituído o voto aberto na escolha do comandante do Senado. Enxergaram uma luz no fim do túnel. Era pus.
Há no Senado 81 senadores. Ao restabelecer o voto secreto, Toffoli tornou-se uma espécie de 82º senador, mais poderoso que os demais. Sua presença invisível no plenário transformou a eleição do novo presidente da Casa numa espécie de teatro de bonecos —do tipo em que o boneco é manipulado por pessoas vestidas de preto dos pés à cabeça.
Nessa modalidade de teatro, a plateia sabe que os manipuladores dos bonecos estão em cena. Entretanto, para o bom andamento do espetáculo, convencionou-se que os espectadores devem fingir que eles são invisíveis. A interferência de Toffoli deixou o teatro do Senado muito parecido com o original. Com uma diferença.
A diferença é que, na apresentação convencional, a presença dos manipuladores de preto é enfatizada. A plateia sabe que a cumplicidade do fingimento é parte show. No palco do Senado, os manipuladores querem que o brasileiro acredite que eles não estão lá. Pior: desejam que todos se convençam de que os bonecos são seres independentes.
Os adeptos do voto aberto desnudaram o truque ao decidir expor seus votos na marra, dando de ombros para a decisão monocrática de Toffoli. O gesto constrangeu o grupo de senadores-bonecos —aqueles que só admitiam votar em Renan, um aliado radioativo, no escurinho do escrutínio secreto.
O feitiço de Toffoli transformou Renan numa pequena criatura. Ao se dar conta do próprio encolhimento, Renan bateu em retirada: "Para demostrar que esse processo não é democrático, eu queria dizer que o Davi não é o Davi. O Davi é o Golias. Ele é o novo presidente do Senado e eu retiro a minha candidatura, porque eu não vou me submeter a isso."
Fora de si, Renan exibiu o rancor que tem por dentro: "Eles querem ganhar de todo jeito, com voto da minoria. Onde é que nós estamos? O PSDB anunciou agora que estava abrindo o voto para retirar, contra decisão do Supremo, qualquer possibilidade de termos os votos de José Serra e de Mara Gabrilli. O Flávio Bolsonaro, diferentemente do que fez na votação anterior, abriu o voto, abriu o voto!"
Renan conseguiu um milagre: transformou uma vitória na Suprema Corte em pedrinhas de brilhante para ladrilhar a avenida que conduziu o adversário Davi Alcolumbre à presidência do Senado. Restou uma mágoa com o Planalto, pois o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) inflou a candidatura de Alcolumbre.
Nos próximos meses, uma das boas diversões da política será assistir às piruetas que Renan fará para se vingar do governo e, ao mesmo tempo, negociar com a gestão de Jair Bolsonaro a liberação de verbas federais para o governo de Renan Filho em Alagoas.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.