'Fins justificam meios' na votação das reformas, diz líder da bancada rural
Josias de Souza
28/02/2019 03h44
Recém-empossado na presidência da Frente Parlamentar Agropecuária, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS) afirma que Jair Bolsonaro precisa recorrer a "manuais antigos" para compor no Congresso uma maioria capaz de aprovar as reformas econômicas. A fórmula é conhecida. Prevê o oferecimento de cargos públicos e verbas para as emendas orçamentárias dos parlamentares. "Os fins justificam os meios", disse o deputado em entrevista ao blog. "É preciso aprovar a reforma da Previdência, porque isso é imperioso para a economia do país."
Pluripartidária, a frente comandada por Alceu Moreira é a maior do Congresso. Entre deputados e senadores, reúne 270 votos. Na campanha eleitoral, Bolsonaro disse que a governabilidade de sua administração viria do apoio desse tipo de bancada temática, não dos partidos tradicionais. Eleito, acomodou no Ministério da Agricultura a deputada Tereza Cristina (DEM-MS), que antecedeu Moreira no comando da agrobancada. Entretanto, o modelo idealizado pelo novo presidente revelou-se improdutivo antes mesmo de ser testado.
"É claro que não funciona", declarou Alceu Moreira. "Frente parlamentar é composta por vários partidos. A frente pode orientar os seus parlamentares com relação à reforma da Previdência, mas não vai exigir fidelidade ideológica com esse tema, principalmente naquilo que não tem relação com o agro." O deputado avalia que Bolsonaro acertou ao compor sua equipe ministerial sem "amarras" partidárias. Mas sustenta que não há como obter maioria congressual ignorando os partidos.
Perguntou-se a Alceu Moreira se a presença de uma representante da frente agropecuária no comando do Ministério da Agricultura garantiria a fidelidade do grupo ao governo Bolsonaro. E ele, sem meias palavras: "A fidelidade ao presidente está diretamente ligada à fidelidade [do governo] ao setor que nós representamos. Quando o governo pensa como nós, estamos com ele. Quando o governo pensa diferente, vamos fazer a defesa do que é do nosso interesse."
No momento, os interesses da megabancada ruralista trafegam na contramão da agenda ultraliberal de Paulo Guedes, o czar econômico da gestão Bolsonaro. Enrolado na bandeira da austeridade, o ministro da Economia guindou à condição de prioridade a eliminação de privilégios, isenções e incentivos. Deseja acabar, por exemplo, com a carteira de crédito agrícola subsidiado do Banco do Brasil. Alceu Moreira diz que o ministro "pode tirar todo o subsídio", desde que ofereça compensações capazes de preservar a "competitividade" do setor.
"Se achar que o agro é alguém que está mamando no dinheiro público com qualquer tipo de benesse, vamos tirar este processo de competitividade. Sem competitividade e sem renda, o setor que segurou esse país o tempo todo como grande âncora pode ser o último [a decair]. O grau de competitividade não depende da vontade do ministro." O contencioso da frente agropecuária com Guedes não se limita ao crédito agrícola. Inclui desde a tarifação do leite até a anistia de uma dívida dos produtores rurais estimada em R$ 17 bilhões.
Antes de virar presidente da República, Bolsonaro assumira com o agronegócio o compromisso de colocar o peso do seu eventual governo a serviço da aprovação de projeto de lei que perdoa dívidas acumuladas por produtores rurais com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural, o Funrural. O débito decorre de um contencioso judicial criado a partir de decisões do Supremo Tribunal Federal.
Segundo Alceu Moreira, a cifra bilionária pode ser reduzida se forem excluídos do rol de beneficiários de uma eventual anistia grandes devedores como a JBS. Mas a agrobancada se equipa para cobrar o compromisso de Bolsonaro. "Vamos ter uma audiência com o presidente", informou o deputado. "Essa audiência é precedida de um debate profundo. […] Anistia a ser dada para um pequeno produtor rural ou um produtor de qualquer natureza e para a JBS deve ser distinta. Estamos tratando de figuras distintas."
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
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