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Há um sósia de Bolsonaro no posto de presidente

Josias de Souza

28/02/2019 16h31

A realidade imposta pelo exercício do poder está transformando Jair Bolsonaro num personagem inacreditável. É como se o inquilino do Planalto desejasse separar o capitão do presidente. Um diz uma coisa. Outro se esforça para encarnar o seu oposto. Na noite de quarta-feira, Bolsonaro deve ter dado uma ordem no Alvorada: "Amanhã, chamem o presidente primeiro, deixem o capitão dormir mais um pouco." O resultado foi extraordinário. Bolsonaro recebeu 13 jornalistas para um civilizado café da manhã. Lero vai, lero vem materializou-se diante dos comensais uma criatura nova, uma espécie de ex-Bolsonaro.

Como se sabe, o capitão nutre um inabalável desprezo pela imprensa. Na campanha eleitoral, insinuou que cortaria anúncios federais de veículos que não o tratassem de "maneira digna". Eleito, perguntaram-lhe o que achava da tese do vice Hamilton Mourão segundo a qual jornalistas não deveriam ser encarados como "inimigos". Deu de ombros: "Eu cheguei aqui graças às mídias sociais."

Nesta quinta-feira, o presidente estendeu a mão aos jornalistas. Espanto! Reconheceu a importância da imprensa para a consolidação do processo democrático. Estupefação! Infelizmente, a lista de convidados deve ter sido elaborada na noite da véspera pelo capitão, pois nenhum repórter dos três principais jornais do país —Folha, Globo e Estadão— foi chamado para dividir a mesa do café com o presidente. Foram privados de testemunhar uma metamorfose.

Há poucos dias, o capitão associou-se ao seu Pitbull, como se refere ao filho Carlos Bolsonaro, para fabricar uma autocrise que produziu a demissão de um ministro palaciano e abriu uma fenda na autoridade do presidente. Isso não vai mais acontecer, insinuou o presidente no instante em que revelou a intenção de trazer na coleira as opiniões que o filho despeja nas redes. 'Tudo passou a ter um filtro da minha parte', disse. "Nenhum filho meu manda no governo".

É possível que até os amigos e a família estejam confusos com esse negócio de ter que separar o capitão do presidente. Até outro dia, um dizia que governaria apenas com as frentes parlamentares temáticas, sem toma-lá-dá-cá. De uns dias para cá, o outro levou pessoalmente a proposta de reforma da Previdência ao Congresso e inaugurando uma negociação. De resto, encostou o estômago num balcão no qual confraterniza com líderes da banda podre do sistema partidário na frente das crianças.

Se Bolsonaro exagerar no truque de manipulação da própria imagem, vai acabar forçando seus entes queridos a requisitarem um exame de DNA. Muita gente começa a suspeitar que alguém muito parecido com o capitão tenta se fazer passar por ele na função de presidente. Torça-se para que ninguém requisite ao ministro Sergio Moro uma operação de busca da Polícia Federal. Ainda é necessário retirar as crianças da sala. Mas o sósia revela-se mais promissor do que o original.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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