Projeto ‘Lula Livre’ inibe o movimento ‘PT Livre’
Josias de Souza
08/03/2019 21h55
Um partido não apodrece por cair na lama. Ele apodrece por permanecer lá. O Partido dos Trabalhadores parece ter desenvolvido uma certa afeição pelo lodo. Não se pode dizer que a decadência do PT seja vocacional. Se perguntassem a Lula na década de 80 o que o partido dele seria quando crescesse, o então líder sindical jamais responderia: "Seremos a ética que caiu na vida." O apodrecimento do PT não foi planejado. Simplesmente aconteceu. Mas a permanência do PT na lama é um erro que os petistas cultivam com método.
No momento, o PT se divide em dois grupos. Um se esforça para manter o partido acorrentado ao slogan "Lula Livre". Outro tenta convencer Lula a aderir a um movimento novo: o "PT Livre". O primeiro grupo, liderado por Gleisi Hoffmann, acalenta a ilusão de que Lula pode ser agraciado com o próximo Prêmio Nobel da Paz. O segundo grupo sonha em obter de Lula uma espécie de habeas-PT, que libere a legenda para retirar a ré Gleisi Hoffmann de sua presidência.
O grupo anti-Gleisi empina o nome de Fernando Haddad como substituto ideal. Em privado, o presidenciável derrotado do PT até admite a hipótese de colocar sua cara a serviço de um esforço para melhorar a imagem da legenda. Mas não convive pacificamente com a ideia de ter que presidir a luta interna do PT consigo mesmo. É como se Haddad quisesse retocar a radiografia sem cuidar do paciente.
Embora sonhem com coisas diferentes, a turma do "Lula Livre" e a banda do "PT Livre" têm algo em comum: os dois grupos estão irremediavelmente acorrentados a Lula. Ainda não apareceu petista com autonomia para mover um dedo sem obter autorização do presidiário de Curitiba. E Lula, extasiado com a fantasia de que pode virar um Prêmio Nobel, revela-se um personagem capaz de tudo, menos de livrar o PT de sua bola de ferro.
Assim, o futuro do PT está atrelado à coleção de sentenças criminais de Lula. Duas vezes não é coincidência. Três vezes não será mistério. A quarta vez será um destino. O dedo do destino não costuma deixar impressão digital. Mas o apodrecimento do PT tem as digitais de Lula.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.