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Candura de Tabata, 25, é a maldade que faltava

Josias de Souza

31/03/2019 04h30

Nem Jair Bolsonaro nem Rodrigo Maia. Tabata Amaral, eis a personagem da semana. Deputada estreante, ela subiu à tribuna na terça-feira. Como você pode reparar no vídeo acima, o plenário não lhe deu atenção. A maioria dos deputados estava em pé na frente da mesa, num ambiente de boteco. Só faltou alguém pedir uma cerveja gelada ao presidente da sessão. Alheia à algaravia, Tabata discursava sobre a "paralisia no Ministério da Educação". Ninguém quis ouvir. Mas ela avisou no final de sua fala: "Esperamos a presença do ministro amanhã. Estarei lá, cobrando suas propostas e suas ideias…"

No dia seguinte, como prometido, Tabata foi à Comissão de Educação da Câmara para cobrar as "propostas" e as "ideias" de Ricardo Vélez Rodrigues, o suposto ministro da Educação. Se você não chegou há pouco de Marte, já deve ter assistido ao vídeo com as cenas do sabão que Tabata passou no ministro. Expressando-se num idioma muito parecido com o português, Vélez não conseguiu balbuciar uma resposta aceitável. Faltavam-lhe "propostas" e "ideias". E Tabata: "Mude de atitude ou saia do cargo". Reveja abaixo.

Houve quem estranhasse a severidade com que a jovem deputada, 25 anos, tratou o ministro ancião. Tolice. A perversidade com que Tabata esculachou Vélez, sem elevar o timbre de sua voz —de uma suavidade agridoce—, foi o grande acerto de sua intervenção. O principal erro dos reformadores da política é tentar transformar os maus em bons. O sistema só melhorará quando os bons tiverem suficiente maldade para impor sua bondade.

A candura de Tabata é a maldade que faltava ao Congresso Nacional. O frescor do seu mandato realça pelo contraste o bolor do centrão, cuja retórica antiestatista —menos governo e mais mercado— contrasta com o apetite patrimonialista —mais cargos e muito mais dinheiro público. O único problema é que há no Parlamento pouca Tabata e muito centrão.

Dizia-se que as urnas de 2018 haviam renovado o Legislativo. Na Câmara, a taxa de renovação foi calculada em 47,3%. Dos 513 deputados, 243 seriam caras novas. No Senado, das 54 poltronas que estavam em jogo —2/3 do total de 81 senadores— nada menos de 46 teriam sido amealhadas pelos semblantes "novos". Uma renovação de 87%.

Vivo, Cazuza diria que um pedaço da suposta renovação não passa de um "museu de novidades". Surfaram nessa onda deputados que foram promovidos a senador, políticos egressos das assembleias legislativas estaduais, filhos de oligarquias regionais e ex-congressistas que recuperaram mandatos perdidos. Ainda assim, é inegável que há algo de novo no Parlamento.

O problema é que só de raro em raro surgem lufadas de ar fresco como a ventania que a atuação de Tabata soprou na Câmara. A própria Tabata lamentou: "Eu queria que a gente tivesse um pouco mais disso no Congresso para que isso não fosse tão estranho." A timidez da banda nova faz supor que o centrão pode ser bem sucedido no seu projeto de aproveitar o declínio do petismo e do tucanato para tornar-se um centrãozão.

Não é fácil ser um novato no Congresso. Imagine uma pessoa que se considera vocacionada para a vida pública. Prenhe de boas intenções, essa pessoa cultiva um inabalável desejo de servir o povo. Depois de muitas concessões, consegue uma legenda. Dependendo da liderança que exerce em sua profissão ou na comunidade, obtém uma soma razoável de simpatias.

Elegendo-se, o novato chega ao Congresso bêbado de entusiasmo. E encontra pela frente vários muros: a burocracia, as mumunhas regimentais, os acordos de líderes, os conchavos urdidos pelos velhos tecelões da política, as pedras lançadas no caminho das reformas inadiáveis, o diabo.

De repente, alguns calouros passam a "aprender" com os velhacos. O que era visto como esperteza começa a ser encarado como sagacidade. Em vez de revolucionar o sistema, o estreante prefere mudar o status sem alterar o quo. No combate cotidiano do Legislativo, as conveniências costumam cegar e corromper.

Aos pouquinhos, vão sumindo do Congresso os inocentes recém-chegados. Se depender da banda oligárquica, sobrarão apenas culpados e cúmplices. O pior só será evitado no instante em que intervenções como a de Tabata Amaral na Comissão de Educação forem corriqueiras. Nesse momento utópico, os bons terão tanta disposição para exercitar a maldade que acabarão impondo sua bondade. Sem maldade, o que era novo vira mais do mesmo.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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