Bolsonaro fez três gols em Israel, todos contra
Josias de Souza
01/04/2019 06h11
Jair Bolsonaro desfila em sua visita a Israel uma desastrosa autoconfiança. Sob o comando do chanceler Ernesto Araújo, o Itamaraty revelou-se incapaz de livrar o presidente de problemas. Mas a neo-diplomacia brasileira foi genial na organização da confusão. Numa única viagem internacional, produziram-se três desastres:
1) Sem debater adequadamente a ideia, Bolsonaro afagara a alma do premiê israelense Benjamin Netanyahu com o aceno de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém. Deu errado. Em visita a Jerusalém, Bolsonaro anunciou não a abertura da embaixada, mas de um escritório de representação comercial. Houve grande decepção no governo israelense.
2) O capitão recebera a informação de que sua meia-volta talvez evitasse uma reação dos palestinos. Não colou. A Autoridade Palestina, que torcia o nariz para a hipótese de o Brasil instalar sua embaixada em Jerusalém, manteve a cara feia. Além de condenar explicitamente a abertura do escritório comercial, chamou de volta seu embaixador no Brasil, Ibrahim Alzeben. Para complicar, a ministra Tereza Cristina (Agricultura) teme que a novidade resulte em prejuízos para o agronegócio brasileiro, pois parte do mundo árabe ameaça fazer sua feira noutras freguesias.
3) A coreografia diplomática impôs prejuízos também ao contribuinte brasileiro. Afora a embaixada em Tel Aviv, o Brasil mantém um escritório na cidade palestina de Ramallah, a cerca de 15 quilômetros de Jerusalém. É mais do que suficiente para atender às necessidades diplomáticas da região. Além de tóxica, a nova unidade de Jerusalém é absolutamente desnecessária. Sua abertura constitui uma nova versão do hábito governamental de gastar verba pública como se fosse dinheiro grátis.
Quer dizer: em tabelinha com o chanceler Ernesto Araújo, Jair Bolsonaro chutou três vezes. E conseguiu a proeza de marcar três vezes contra o próprio gol. Decepcionou Israel, irritou a Palestina e desperdiçou recursos tomados dos brasileiros em dia com suas obrigações tributárias.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.