Bancadas recusaram cargos no governo, diz chefe da comissão da Previdência
Josias de Souza
27/04/2019 04h09
Não é que o governo de Jair Bolsonaro tenha deixado de oferecer cargos. A maioria das bancadas dos partidos é que rejeitou as ofertas do Planalto. "Governar junto é republicano, oferecer cargo de terceiro escalão para alguém indicar algum parente, um amigo, um apadrinhado não é. O que o governo está fazendo não é nova política", disse em entrevista ao blog o deputado Marcelo Ramos (PR-AM), presidente da comissão especial instalada para analisar a PEC da reforma da Previdência.
Os cargos refugados foram considerados inservíveis. "As pessoas que pretendem ter cargo —eu não pretendo ter nenhum— é para viabilizar ações no seu Estado", disse o deputado. "O problema é que se você tiver um cargo no Estado, mas tiver aqui no ministério gente com má vontade com a política e com a Câmara, esse cargo não serve para nada. Ele não consegue dar respostas para a população."
Para Marcelo Ramos, é "legítimo" que "quem ajuda a governar no Parlamento ajude a governar no Executivo." Considera "republicano" também que "um deputado queira recursos para o seu Estado." Reconhece que o debate sobre cargos e verbas orçamentárias "influencia" na tramitação da reforma previdenciária. Mas declara: "Não estamos votando na Previdência por conta de cargo."
"O governo não tem voto para nada", constatou Marcelo Ramos. Segundo ele, as pessoas que quiserem entender o que se passa na Câmara no momento devem fazer o seguinte: "Isolem a oposição. A oposição não tem votos para inviabilizar nada. Isolem o PSL. O PSL não tem voto para aprovar nada. Foquem toda a análise de vocês no centro, porque é o centro que tem voto para aprovar ou não. E esse centro tem feito um discurso responsável com o futuro do país."
Segundo Marcelo Ramos, é um erro contabilizar como vitória do governo a aprovação da reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. "A reforma na CCJ não foi aprovada pelo governo. Foi aprovada pelo desejo médio dos parlamentares de ajudar o país."
Para ultrapassar o estágio da CCJ, o governo teve de promover ajustes na proposta por exigência dos partidos do chamado centrão. Graças a esse entendimento, disse Marcelo Ramos, um auxiliar do ministro Paulo Guedes (Economia) credenciou-se como "principal interlocutor do Executivo com o Parlamento." Nas palavras do deputado, o secretário de Previdência Rogério Marinho revelou-se um "homem aberto ao diálogo, verdadeiro, fraterno e leal."
Ex-deputado tucano, o secretário Rogério Marinho é visto como avis rara num governo que o centrão e as legendas que gravitam na sua órbita consideram politicamente desarticulado. Afora o apoio do PSL, legenda de Bolsonaro, e do Partido Novo, o Planalto "não tem mais nada", disse Marcelo Ramos. Não restaria ao presidente e seus operadores senão negociar.
O presidente da comissão especial não gosta do termo "centrão". Considera-o pejorativo. Sustenta, de resto, que a expressão é reducionista, pois desconsidera que o rol de legendas dispostas a estender a mão para o governo não se limita ao PR, PP, DEM e PRB. Inclui também legendas como PSDB, MDB, Cidadania e Podemos. Por isso, Marcelo Ramos prefere falar em "centro", sem o aumentativo que sugere uma gula fisiológica. "São partidos que topam sentar no governo, ajudar as propostas", disse ele.
O problema seria a inépcia do governo. "Articulação é ouvir esses partidos em bases republicanas", declarou Marcelo Ramos. O diabo é que "o Executivo não conversa com ninguém, os ministros hostilizam a política. Isso é desarticulação." Na visão do parlamentar, a ojeriza retórica de Bolsonaro pelo Legislativo "contamina o conjunto dos ministérios." De resto, "há uma forte presença militar dentro do governo. E o militar não é formado para negociar. Ele é formado para mandar." Algo que "não funciona no Parlamento", disse o deputado.
Ex-filiado do PCdoB e do PSB, Marcelo Ramos, agora convertido ao liberal PR, não morre de admiração por Bolsonaro. Ao contrário, declara que não votou no capitão. Escolheu o petista Fernando Haddad no segundo turno. Mas prefere dizer que "votou contra o Bolsonaro." A despeito disso, o deputado que chefiará a comissão sobre Previdência declara-se pronto a ajudar o presidente eleito pela vontade da maioria dos brasileiros.
Marcelo Ramos lamenta que Bolsonaro não demonstre a mesma disposição para ajudar a si próprio. Para o deputado, o presidente da República "atrapalha bastante, porque ele desidrata a reforma" a cada declaração. "Ele manda a mensagem de que a proposta dele foi dura e ele está fazendo agora uma série de bondades. Então, o Congresso vira o mau e ele vira o bom."
O risco embutido na tática de Bolsonaro é grande: "A cada coisa que ele retirar da proposta, ele vai sinalizar para o congresso retirar outra. Isso é ruim para o país. Precisamos ter responsabilidade com um ajuste fiscal urgente e necessário para que o nosso país volte a ter condições de crescer", afirmou Marcelo Ramos. Tomado por suas declarações, Bolsonaro parece conspirar contra a meta do ministro Paulo Guedes de obter do Congresso uma reforma com "potência" para resultar num alívio de pelo menos R$ 1 trilhão em dez anos.
Assista abaixo à íntegra da entrevista com o deputado Marcelo Ramos.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.