Bolsonaro proíbe imprensa de mudar de assunto
Josias de Souza
20/05/2019 17h08
Para um governante, só há uma coisa pior do que uma crise: duas crises. Ou três crises. Ou quatro. Ou… Desde que chegou ao Planalto, Jair Bolsonaro exerce o monopólio da crise. Sai de uma crise fabricando outra maior. No momento, dedica-se a atiçar uma manifestação de rua contra o Congresso.
Às turras com o Legislativo, Bolsonaro atribui a desarticulação do seu governo à imprensa. "O que há é uma grande fofoca", declarou o presidente em sua primeira aparição da semana. "E parece que, lamentavelmente, grande parte da nossa mídia se preocupa mais com isso do que com a realidade e o futuro do Brasil."
Bolsonaro ainda não notou. Mas a imprensa não é parte da crise, apenas se alimenta dela. Os meios de comunicação não fazem senão levar aos consumidores as crises que o presidente fabrica. Se o inquilino do Planalto mudar de ramo, substituindo crises por soluções, a imprensa mudará de assunto.
Em discurso na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, Bolsonaro falou sobre seu tema predileto: crise. Atirador versátil, disparou contra vários alvos ao mesmo tempo. "O Brasil é um país maravilhoso, que tem tudo para dar certo. Mas o grande problema é a nossa classe política", afirmou, num segundo disparo.
Não se deve discutir com especialistas. Bolsonaro passou 28 anos na Câmara antes de ser guindado ao Planalto. Conhece como poucos o "grande problema" em que se converteram os políticos. No seu caso, não há vestígio de algo positivo que tenha produzido durante sua vida parlamentar.
Especialista em virar a mesa, Bolsonaro jura que deseja sentar-se ao redor da mesa. "O que mais quero é conversar [com o Congresso]. Mas eu sei que tem gente que não quer apenas conversar." O presidente faria um favor a si mesmo se desse nomes aos bois.
Bolsonaro disparou uma outra bala perdida: "Cada vez que eu toco o dedo numa ferida, um exército de pessoas influentes vira contra mim. Nós temos uma oportunidade ímpar de mudar o Brasil. Mas não vou ser eu sozinho —apesar de meu nome ser Messias— que vou conseguir." De novo, faltam nomes.
Num regime presidencialista, o governo tem a cara do presidente. Sob Bolsonaro, o semblante que prevalece é o da crise. Pena. No momento, a imagem de que o pais precisa é a da tranquilidade.
Uma das principais características de personagens como Bolsonaro, vocacionados para o confronto, é a transferência de responsabilidades. O capitão não se enxerga como um problema. O mundo ao redor é que é o problema dele. Pena. A administração de crises não é uma tarefa que possa ser delegada a terceiros.
Bolsonaro parece mesmo decidido a proibir a imprensa de mudar de assunto.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.