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Bolsonaro tira das ruas suas próprias confusões

Josias de Souza

27/05/2019 04h46

O asfalto forneceu as informações. E Jair Bolsonaro tirou suas próprias confusões. O capitão obteve das ruas um respaldo sólido o bastante para espantar a assombração de um impeachment precoce. Mas o meio-fio não lhe deu musculatura suficiente para emparedar o Congresso. Ao contrário, na comparação com o protesto estudantil de 15 de maio, os atos deste domingo revelaram-se menores. As conclusões são óbvias: A conjuntura continua envenenada. E não há melhor antídoto do que a saliva. Entretanto, tomado por suas confusões, Bolsonaro planeja continuar trafegando na contramão.

Em entrevista à Record, sua emissora predileta, Bolsonaro soou como se considerasse um crime dialogar. Referindo-se à reforma da Previdência, afirmou: "Eu te pergunto: O que tenho que fazer? Ir para dentro do Parlamento conversar? Não é uma boa prática. Se nós não enfrentarmos isso, e rápido, o Brasil pode sucumbir economicamente, como o ministro [da Economia] Paulo Guedes já falou." Foi como se declarasse: "Já fiz a minha parte. O povo está comigo. Se não quiser fechar o Posto Ipiranga, o Congresso que engula a proposta e não chateie."

Mais cedo, num culto evangélico, Bolsonaro havia afirmado que a manifestação pró-governo revelara "um firme propósito de dar um recado àqueles que teimam, com velhas práticas, em não deixar que o povo se liberte." Na entrevista televisiva, o capitão refinou sua mira:

"Centrão virou um palavrão. A melhor maneira de mostrar que não tem motivo de satanizar esse nome é ajudar a votar aquilo que interessa para o Brasil. Agindo dessa maneira, haverá reconhecimento por parte da população. Acredito que uma parte considerável dos parlamentares não quer ser rotulada de Centrão, o grupo clientelista, ou aquele grupo que quer negociar alguma coisa para votar."

De fato, quem olha de longe não enxerga inocentes no centrão, só culpados e cúmplices. O problema é que esse aglomerado partidário concentra algo como 200 dos 513 votos da Câmara. Nesse contexto, cabe indagar: Se Bolsonaro fala sério quando diz acreditar que um pedaço do centrão deseja se livrar da pecha clientelista, por que não conversar? Ou por outra: como um presidente minoritário fará para prevalecer no Legislativo sem um diálogo consequente com parlamentares novatos e legendas independentes, que fogem do contágio com o centrão?

Alguma coisa subiu à cabeça de Bolsonaro. Deve ter subido pela escada, pois certos raciocínios do presidente parecem ter fôlego curto. Não conversa com o centrão, mas quer estreitar sua inimizade com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um dos principais alvos da manifestação deste domingo.

"O Rodrigo Maia é uma pessoa diferente de mim", afirmou o entrevistado. "O que eu falo, os ministros cumprem aquele objetivo, mas ele não tem esse poder dentro da Câmara, porque cada partido tem uma direção." Ai, ai, ai… Bolsonaro exerceu mandato parlamentar por 28 anos e não notou que o Congresso não é como um governo, onde todos se colocam —ou deveriam se colocar— a serviço dos mesmos fins.

O Legislativo existe para abrigar os conflitos. Contém ao mesmo tempo uma coisa e o seu contrário. Abriga parlamentares que perseguem um determinado objetivo e outros que defendem o oposto. Se compreendesse essa lógica, Bolsonaro talvez percebesse que sua Presidência seria menos atribulada se tentasse convencer pelo diálogo em vez de imaginar que pode prevalecer aos solavancos.

As confusões que Bolsonaro tira das ruas estimulam conclusões pouco animadoras. Fica-se com a sensação de que o presidente supervaloriza o "Messias" que carrega no sobrenome. Se Deus pudesse escolher um lugar para morar, a despeito da instabilidade, esse lugar seria o Brasil. Como não pode, Bolsonaro imagina ter plenas condições de representá-lo. Falta convencer o pedaço do Congresso que enxergou nas ruas deste domingo evidências de que o "messias" do Planalto nunca esteve tão sujeito à condição humana.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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