Weintraub virou animador de protestos estudantis
Josias de Souza
31/05/2019 03h38
Para o movimento estudantil brasileiro, a chegada de Abraham Weintraub ao Ministério da Educação foi revigorante. O afilhado do polemista Olavo de Carvalho conseguiu o impensável. Além de devolver a rapaziada às ruas, ressuscitou uma entidade moribunda: a União Nacional dos Estudantes. Sempre que alça a fronte, limpa o pigarro, enche o peito como uma segunda barriga e solta a voz, Weintraub oferece matéria-prima para manifestações estudantis anti-Bolsonaro.
Há um mês, o ministro declarou: "Universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas". Com essa frase, transformou um congelamento corriqueiro de verbas educacionais numa bravata ideológica que empurrou professores, estudantes e pais de alunos para o megaprotesto de 15 de maio. Com tempo e energia sobrando, os "idiotas úteis" tomaram gosto pela rua, convocando nova manifestação.
Em vídeo levado às redes sociais na noite de quarta-feira, véspera do segundo protesto de estudantes, Weintraub alçou a fronte. Declarou que manifestações democráticas e pacíficas "são um direito do cidadão." O ministro limpou o pigarro. "O que não pode acontecer é a coação de pessoas que, num ambiente escolar público, criem algum constrangimento aos alunos para participarem dos eventos."
Enchendo o peito, Weintraub arrematou: "Nós estamos aqui recebendo no MEC cartas e mensagens de muitos pais de alunos citando explicitamente que alguns professores, funcionários públicos estão coagindo os alunos ou falando que eles serão punidos de alguma forma, caso eles não participem das manifestações. Isso é ilegal, isso não pode acontecer."
Ao referir-se aos alunos como seres incapazes de raciocinar por conta própria, o ministro ecoou a pecha de "idiotas úteis" que Bolsonaro grudara nos manifestantes do dia 15. Suas palavras potencializaram os protestos desta quinta-feira. Foram menores do que aqueles de duas semanas atrás. Ficaram aquém do anti-protesto pró-Bolsonaro do domingo passado. Entretanto, graças ao estímulo de Weintraub, não foram manifestações negligenciáveis. Encheram as manchetes e a tela do televisor que despejou realidade sobre o tapete da sala de estar minutos antes do início da novela.
Como que decidido a converter os protestos de estudantes num moto-contínuo, Weintraub forneceu material para uma terceira incursão da rapaziada ao asfalto. Mandou divulgar uma nota oficial. Nela, o MEC diz ter recebido 41 reclamações de coação a estudantes. Realça que nenhuma escola pode incentivar movimentos político-partidários.
O texto do MEC contém algo parecido com uma censura prévia. Esclarece que professores, servidores das escolas, alunos e até os seus pais não estão autorizados a divulgar e estimular os protestos durante o horário escolar.
O MEC estimulou a deduragem: "Caso a população identifique a promoção de eventos desse cunho, basta fazer a denúncia pela ouvidoria do MEC." Faltou dizer onde estão as 41 reclamações que supostamente já chegaram ao ministério.
Levadas ao pé da letra, as regras de Weintraub deixariam mal o presidente da República. Se professor desafia a lei ao atiçar protestos, que dirá o chefe da nação. Bolsonaro andou despejando nas redes sociais posts de estímulo à participação no protesto de cinco dias atrás, a favor do seu governo. No limite, o próprio Weintraub deveria sofrer descontos no contracheque por desperdiçar nacos do seu horário de trabalho como fornecedor de material para protestos de estudantes.
Bolsonaro ainda não se deu conta. Mas Weintraub vai se revelando aos pouquinhos uma espécie de cavalo de madeira em cuja barriga Olavo de Carvalho transportou para dentro do Ministério da Educação um presente de grego: a ideologização de um setor que deveria ser técnico. Se a cilada não for desmontada, o Brasil acaba virando uma Troia hipertrofiada.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.