Em três lances, Câmara deixa Bolsonaro menor
Josias de Souza
05/06/2019 19h44
A Câmara dispensou a Jair Bolsonaro nesta quarta-feira um tratamento análogo ao de uma personagem de ficção criada pelo escritor gaúcho Josué Guimarães —uma mulher que diminuía diariamente de tamanho. Os familiares esforçavam-se para que ela não percebesse o próprio encolhimento. Rebaixavam os móveis, serravam os pés de mesas e cadeiras. A diferença no caso de Bolsonaro é que os deputados rebaixam sua estatura sem adaptar a mobília.
Reduziu-se o tamanho do presidente em três lances. Num, os deputados encurtaram o prazo de validade das medidas provisórias. Noutro, tornaram obrigatório (impositivo) o pagamento de emendas que as bancadas estaduais enfiam dentro do Orçamento da União. Num terceiro movimento, protelaram a análise de um pedido de crédito extra para o governo de R$ 248 bilhões. Tudo isso num único dia.
As medidas provisórias, como se sabe, entram em vigor após publicação no Diário Oficial. Hoje, elas só perdem a validade se não forem aprovadas pelo Congresso num prazo de 120 dias. Emenda constitucional aprovada no plenário da Câmara nesta quarta estabelece que, doravante, as MPs podem caducar já no primeiro estágio da tramitação legislativa. Perderão a validade em 40 dias se não forem apreciadas por uma comissão especial integrada por deputados e senadores.
Significa dizer que o governo terá um prazo mais curto para negociar a aprovação das medidas provisórias. A emenda constitucional retornará ao Senado, que havia aprovado um texto diferente em 2011. Há um acordo para que os senadores aprovem as mudanças rapidamente.
De acordo com o texto referendado pelos deputados, vencida a etapa inaugural de tramitação da MP, a Câmara terá mais 40 dias para votar a matéria no plenário. Ultrapassado o segundo obstáculo, o Senado disporá de 30 dias para se manifestar. Havendo alteração, o texto retorna à Câmara, que terá dez dias para dar a palavra final. O descumprimento de qualquer desses prazos enterrará a MP. Quer dizer: o Planalto estará sob permanente tensão.
Num instante em que Bolsonaro admite que ainda não dispõe dos 308 votos necessários à aprovação da reforma da Previdência, os deputados aprovaram com facilidade inaudita uma segunda emenda constitucional. Torna impositiva a execução das emendas orçamentárias formuladas pelas bancadas estaduais. Hoje, apenas as emendas individuais dos parlamentares são compulsórias.
A proposta dormia nas gavetas da Câmara desde 2015. Aprovada em março, foi enviada ao Senado. Modificada pelos senadores, teve de ser votada novamente pelos deputados. Estima-se que a novidade obrigará o Tesouro a desembolsar até R$ 4 bilhões. Algo que esvazia articulação nascida na Casa Civil para azeitar a liberação de emendas orçamentárias na fase de votação da reforma da Previdência.
Rodrigo Maia, o presidente da Câmara, soltou fogos no Twitter: "Aprovamos em segundo turno o orçamento impositivo. Essa proposta otimiza e democratiza o gasto público. Nós vamos ter o poder de aprovar o próximo Orçamento, as políticas públicas do governo, os investimentos. O Parlamento recompõe a sua prerrogativa."
Simultaneamente, o Parlamento protelou a recomposição do poder de Bolsonaro de executar despesas vitais como o Bolsa Família, o benefício de um salário mínimo para idosos paupérrimos e o Plano Safra. Numa aliança tática com a oposição, o centrão obstruiu na Comissão de Orçamento a votação do crédito extra de R$ 248,9 bilhões de que o presidente necessita para realizar essas despesas sem infringir a "regra de ouro" — norma constitucional que proíbe o governo de contrair dívida para pagar despesas correntes sem autorização do Legislativo.
A Comissão de Orçamento é mista, inclui senadores. Mas a articulação protelatória foi urdida na Câmara. No gogó, autoridades do Planalto dão de ombros para a movimentação da Câmara. Alega-se que os deputados não estão reduzindo a estatura do presidente, mas rebaixando o teto do próprio Legislativo. Seja como for, flutua sobre a conjuntura uma sólida certeza: sob Jair Bolsonaro, o Executivo ainda não conseguiu estreitar suas inimizades com o Legislativo.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.