‘Carta de governador não rende voto na Câmara’
Josias de Souza
08/06/2019 04h10
O deputado Marcelo Ramos (PL-AM), presidente da comissão que analisa a emenda constitucional que reformula o sistema previdenciário, declarou que "o Congresso segue propenso a tirar Estados e municípios da reforma da Previdência" a despeito da divulgação de cartas de governadores pedindo o contrário. "Carta de governador não rende voto na Câmara", ele afimou, em entrevista ao blog. "Acho que a atitude dos governadores precisa ser mais humilde. Eles têm que garantir votos em vez de escrever cartas."
Marcelo Ramos separa os governadores em dois grupos, ambos ineficazes: "Acho que tem uma parte querendo manter a aparência. Outra parte está querendo enquadrar a Câmara. Nenhum dos dois movimentos vai funcionar." O deputado soou ácido: "Não me parece razoável um governador dizer no Estado dele que é contra, a bancada regional e partidária dele votar integralmente contra e ele assinar uma carta dizendo que quer que inclua Estados e municípios na proposta."
Na última quinta-feira, o governador Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, divulgou carta supostamente avalizada por 25 dos 27 governadores, defendendo a manutenção de Estados e municípios na reforma previdenciária. Três governadores negaram ter assinado o documento. Segundo Marcelo Ramos, Ibaneis e os signatários da carta não têm votos nas bancadas estaduais. Não influenciam nem os votos dos seus próprios partidos.
Na sequência, os nove governadores do Nordeste trombetearam outra carta. Nela, defendem três reformas: previdenciária, tributária e política. Pedem alterações na proposta de reforma da Previdência. Mencionam artigos que os deputados já decidiram suprimir do projeto. Por exemplo: o BPC, benefício pago a idosos miseráveis, e a aposentadoria de trabalhadores rurais.
Na terça-feira, os governadores se reunirão em Brasília. Pretende-se divulgar nova carta de apoio à manutenção dos servidores estaduais e municipais na reforma. Marcelo Ramos considera o encontro inútil. "Reunião entre eles não ganha nenhum voto na Câmara. Deveriam vir para Brasília para se reunir com as bancadas estaduais e dos partidos deles. Isso talvez tivesse algum efeito."
Vai abaixo a entrevista do presidente da comissão Especial sobre a reforma da Previdência:
— O que achou das cartas dos governadores? Continuo achando que eles precisam calçar a sandália da humildade, reconhecer que se acovardaram ao não fazer suas próprias reformas e que estão pedindo à Câmara para inclui-los na reforma. Em segundo lugar, tem governador que, em vez de assinar uma carta, deveria dizer quantos parlamentares das suas bancadas regionais e partidárias votarão a favor da reforma. Carta de governador não rende voto na Câmara. Não me parece razoável um governador dizer no Estado dele que é contra, a bancada regional e partidária dele votar integralmente contra e ele assinar uma carta dizendo que quer que inclua Estados e municípios na proposta.
— Pode dar nomes? Vários. Vamos lá: O Ibaneis Rocha [Distrito Federal, MDB], queria fazer uma carta de repúdio aos parlamentares. Depois, mudaram o texto. Quantos votos da bancada de Brasília e do MDB ele obteve? O governador do Rio [Wilson Witzel, PSC] assinou a carta. Quantos deputados do Rio seguem a orientação do governador? O governador do Amazonas [Wilson Lima, PSC] também assinou. Quantos votos ele tem na bancada do Amazonas? Nenhum. O governador de Pernambuco [Paulo Câmara, PSB] assinou. Quantos votos ele tem na bancada de Pernambuco e na bancada do PSB? A favor da reforma, creio que nenhum.
— Acha que os governadores deveriam articular a aprovação da reforma no Congresso? Claro. Vamos pegar o João Doria [São Paulo, PSDB], que quis enquadrar a Câmara. O Doria não tem condições morais de fazer isso. Quando era prefeito, o Doria encaminhou uma reforma da Previdência para a Câmara municipal de São Paulo. A população e as corporações reagiram. E ele, como era candidato a governador, por questões eleitoreiras, retirou a reforma. Como é que um cara desses quer ter autoridade de enquadrar deputados? Então, acho que a atitude dos governadores precisa ser mais humilde. Eles têm que garantir votos em vez de escrever cartas.
— A carta dos governadores não renderá votos pró-reforma no Legislativo? Essa carta pode até dar um salvo conduto para eles nos seus Estados quando a Previdência desses Estados quebrar. Mas ela não resolve a necessidade de conseguir votos na Câmara.
— O que fazer? Os governadores não têm que se reunir entre eles. Precisam se reunir com as bancadas deles. Até para saber que tamanho cada um deles tem. Os governadores deveriam apresentar uma lista de assinaturas com deputados das bancadas deles e dos partidos deles em apoiamento à manutenção de Estados e municípios na proposta de reforma. Teria um efeito muito mais verdadeiro. Seria uma atitude muito mais verdadeira.
— Depois das cartas dos governadores, o Congresso está mais propenso a manter os servidores estaduais e municipais na reforma? Nenhuma mudança. O Congresso segue propenso a tirar Estados e municípios da reforma. Tenho sensibilidade pessoal para tentar encontrar uma saída. Mas acredito que o Congresso está muito propenso a retirar. Não foram os deputados federais que quebraram a Previdência nos Estados. Os governadores quebraram. Depois, transferem para deputados e senadores a responsabilidade de resolver o problema. Eu topo enfrentar esse problema, acho que temos que debater. Agora, eles ainda fazem isso sem nenhuma ação concreta de garantia de voto. Pior: tentam criar constrangimento para o Congresso. Isso não funciona.
— Haverá nova reunião de governadores na próxima semana. Acha que ainda podem ajudar? Reunião entre eles não ganha nenhum voto na Câmara. Deveriam vir para Brasília para se reunir com as bancadas estaduais e dos partidos deles. Isso talvez tivesse algum efeito. Quantos votos ganha uma conversa do governador do Amazonas com o governador do Rio de Janeiro? Zero.
— Acha que os governadores querem apenas manter a aparência? Acho que tem uma parte querendo manter a aparência. Outra parte está querendo enquadrar a Câmara. Nenhum dos dois movimentos vai funcionar.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.