Bolsonaro conheceu a verdade! Ela o libertará?
Josias de Souza
30/06/2019 03h44
Quando confrontado com um problema, Jair Bolsonaro pode não ter a solução. Mas ele tem sempre à mão um versículo multiuso que extraiu do Evangelho de João: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." Às vésperas do aniversário de seis meses do seu governo, celebrado neste domingo (30), Bolsonaro conheceu a verdade. Descobriu que pode ser conservador sem ser arcaico. Essa verdade tem potencial libertador. Mas para se livrar dos grilhões do arcaísmo, o presidente teria de se manter fiel à racionalidade que levou ao fechamento do histórico acordo entre Mercosul e União Europeia.
O bom senso ensina que dois espetáculos não cabem ao mesmo tempo num só palco. Ou num único governo. Dividida entre um e outro, a plateia não dá atenção a nenhum dos dois. Ou, por outra, acaba privilegiando o mais exótico. Estão aí em cartaz, faz um semestre, duas apresentações. Uma é aquela que o general e ex-ministro Santos Cruz chamou de "Show de besteiras". Outra é a coreografia encenada pelo pedaço da Esplanada que tenta provar que o governo não está sob o domínio da Lei de Murphy, segundo a qual quando algo pode dar errado, dará.
Desde que assumiu o trono, Bolsonaro tenta conciliar duas exigências conflitantes: ser Bolsonaro e exibir o bom senso que a Presidência requer. Ao desembarcar no Japão, para a reunião do G20, o capitão sentia-se cheio de tambores, metais e cornetas. Reagiu a uma cobrança da premiê alemã Angela Merkel sobre meio ambiente como se fosse o próprio Hino Nacional. Murphy o espreitava. O presidente francês Emmanuel Macron ecoou Merkel. Vão procurar a sua turma, bateu o general e ministro palaciano Augusto Heleno. Em vez de acalmar o amigo, Heleno revelou-se uma espécie de Murphy em dose dupla.
Bolsonaro e seu séquito tinham todo o direito —e até o dever— de responder a Merkel e Macron. O problema é que, considerando-se o timbre, pareciam tomar o partido não do Brasil, mas do pedaço mais atrasado do país, feito de desmatadores vorazes, trogloditas rurais e toupeiras climáticas. O interesse do moderno agronegócio brasileiro estava longe, em Bruxelas, na reunião em que se discutiam os termos do acordo entre Mercosul e União Europeia. Ali, sabia-se que a insensatez ambiental levaria à frustração do acordo comercial ambicionado há duas décadas.
Súbito, o Evangelho de João iluminou os caminhos do capitão, apaziguando-lhe a alma. Num par de reuniões bilaterais, Bolsonaro soou conservador sem fazer concessões ao atraso. Falou de uma certa "psicose ambiental" que fez Merkel arregalar os olhinhos. Mas declarou que o Brasil não cogita deixar o Acordo de Paris, dissolvendo as resistências de Macron. As palavras de Bolsonaro desanuviaram a atmosfera na sala de reuniões de Bruxelas. Por um instante, o "show de besteiras" saiu de cartaz. E a sensatez pariu um acordo.
Bolsonaro faria um enorme favor a si mesmo e ao país se aproveitasse o embalo para enganchar nas celebrações do aniversário de seis meses a estreia de um espetáculo novo. Nele, o Planalto deixaria de ser uma trincheira. O presidente trocaria o recrutamento de súditos pela busca de aliados. A ala familiar seria desligada da tomada. O guru de Virgínia perderia sua cota na Esplanada. Ministros cítricos e tóxicos seriam substituídos por gente técnica e limpinha.
O problema é que esse conjunto de modificações depende de uma mudança de chave no cérebro do próprio Bolsonaro. Algo que parece condicionado a um milagre. Não basta conhecer a verdade. É preciso querer se libertar do atraso.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
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