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Áudio de Deltan enfraquece tese da ‘adulteração’

Josias de Souza

09/07/2019 21h13

O site The Intercept jogou na rede o primeiro áudio do caso das mensagens extraídas dos celulares da turma da Lava Jato. Nele, ouve-se o procurador Deltan Dallagnol classificando de "boa notícia" a decisão do ministro Luiz Fux, do Supremo, de cassar liminar do colega Ricardo Lewandowski que autorizara uma entrevista de Lula à Folha. A novidade vale mais pela forma do que pelo conteúdo. Vai ficando cada vez mais difícil sustentar a tese da "adulteração" das conversas.

Mensagens divulgadas em acionamentos anteriores do conta-gotas já haviam deixado claro que os procuradores não lidavam bem com a ideia de Lula conceder entrevista. Numa dessas mensagens, a procuradora Laura Tessler, por exemplo, reagira à decisão de Lewandowski assim: "Lá vai o cara (Lula) fazer palanque na cadeia. Um verdadeiro circo. […] E a gente aqui fica só fazendo papel de palhaço com um Supremo desse…". Nesse contexto, a manifestação de Deltan seria mais do mesmo. O que a torna mais relevante é sua forma auditiva.

Procurada, a força-tarefa de Curitiba divulgou uma nota nova com argumentação velha. Escreveu que "as supostas mensagens atribuídas a integrantes da força-tarefa são oriundas de crime cibernético e não puderam ter seu contexto e veracidade verificados." Difícil tratar como "suposta mensagem" uma comunicação que salta aos ouvidos. Complicado questionar a "veracidade" de um dos timbres que mais frequentaram o rádio e a televisão nos últimos cinco anos.

A nota da Lava Jato acrescentou: "Diversas dessas supostas mensagens têm sido usadas, editadas ou descontextualizadas, para embasar falsas acusações que contrastam com a realidade dos fatos". Na era digital, qualquer coisa pode ser editada. Entretanto, Folha e Veja, que tiveram acesso ao material, não encontraram indícios de edição ou descontextualização.

A mensagem que Deltan transmitiu aos colegas está impregnada de "realidade dos fatos". Disse ele: "…O Fux deu uma liminar suspendendo a decisão do Lewandowski que autorizava a entrevista dizendo que vai ter que esperar a decisão do plenário." De resto, é plausível que o chefe da Lava Jato tenha pedido aos interlocutores para "não alardear" a novidade, "porque quanto antes divulgar isso, antes vai ter recurso do outro lado, antes isso aí vai para o plenário."

Condenados a viver uma situação análoga à dos encrencados na Lava Jato, cujas explicações estavam sempre um passo aquém dos vazamentos de detalhes das investigações, o ex-juiz Sergio Moro e os procuradores provavelmente continuarão esgrimindo a tese da manipulação das mensagens. Foi o caminho que encontraram para tentar evitar que alguma comunicação tóxica leve à anulação de sentenças.

Tomada individualmente, a fala de Deltan sobre a entrevista de Lula não fornece matéria-prima para os magistrados que desejam dar uma paulada na Lava Jato. O problema é que há outros áudios por divulgar. Informa-se que há na fila também vídeos. Ainda que sejam inofensivos, podem ser usados para atribuir credibilidade às mensagens nas quais Moro e Deltan trocam figurinhas, combinam ações, consultam-se mutuamente, ultrapassando a fronteira que separa o relacionamento funcional entre juiz e procurador do comportamento abusivo.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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