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Retórica do capitão vai do excremento à asneira

Josias de Souza

10/08/2019 02h52

A língua de Jair Bolsonaro dá ao seu dono a aparência de um sujeito escrachado —do tipo que, avesso ao hábito de ouvir e dotado da dificuldade de ler, cultiva a mania de falar dez vezes antes de pensar. Improvisadora contumaz, a língua ultrapassa as fronteiras do paroxismo. Vão resumidas abaixo três cenas das últimas 72 horas. Ajudam a compreender o drama.

1) Na saída do palácio residencial do Alvorada, um repórter perguntou ao capitão se ele acredita ser possível harmonizar preservação ambiental com crescimento econômico. A resposta foi positiva. A língua lecionou: "É só você fazer cocô dia sim, dia não". (assista abaixo).

Bolsonaro, o 'cocô' e a preservação do meio ambiente

TV Folha

2) Nos salões do Planalto, Bolsonaro concedeu a um grupo de estudantes gaúchos o ar de sua graça. Exibiu-se aos visitantes com Sergio Moro a tiracolo. Atendeu gostosamente ao pedido para que autografasse uma camiseta. Repassou-a para Moro. Após acomodar seu jamegão sobre o tecido, o ministro devolveu a peça. E a língua, do nada, sapecou um "Lula livre!", emendando uma gargalhada que deixou embasbacado o ex-juiz da Lava Jato. (repare no vídeo)

Bolsonaro, Moro e o 'Lula livre!'

TV Folha

3) Numa transmissão ao vivo pela internet, Bolsonaro facultou a Sergio Moro a oportunidade de vender à plateia um pacote anticrime que, horas antes, a língua dissera não ser mais prioritário. Ao final, Moro pediu licença para "trocar de lugar" com o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente). A língua não perdeu a piada: "Vai fazer um troca-troca com o Salles aí?" Às gargalhadas, aconselhou: "Troca só a cadeira…"

Vá lá que o Bolsonaro da Presidência da República não precisa ser completamente diferente do Bolsonaro que assombrou a Câmara por 28 anos. Mas a língua do capitão exagera ao adicionar pitadas de escatologia e de asneiras a bizarrices como a concessão do título de "herói nacional" a um torturador de mostruário do porte de Brilhante Ustra.

Admirador dos Estados Unidos, Bolsonaro deveria inspirar-se em Theodore Roosevelt. Ele dizia que a Presidência da República oferece àquele que a ocupa uma tribuna vitaminada. Chamava-a de bully pulpit —púlpito formidável, numa tradução livre. De um bom presidente, ensinou Roosevelt, espera-se que aproveite o palanque privilegiado para irradiar confiança e bons exemplos. De Bolsonaro não se espera tanto. Mas uma dose de recato já pareceria um extraordinário avanço institucional.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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