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‘Jamais nomearia meu filho embaixador’, diz Doria

Josias de Souza

21/08/2019 04h00

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), elevou o tom de suas críticas a Jair Bolsonaro. Ainda não chegou àquela fase em que os candidatos dizem coisas definitivas. Mas começou a definir algumas coisas que o deixam mais próximo de 2022. Já não poupa nem a dinastia do presidente. "Eu jamais nomearia meu filho nem ninguém da minha família para nenhuma função pública, ainda mais numa circunstância de uma embaixada que é a mais importante embaixada brasileira no exterior", disse Doria sobre a intenção de Bolsonaro de acomodar Eduardo, seu filho 03, na chefia da representação diplomática do Brasil em Washington.

Doria conversou com o blog nesta terça-feira. Algumas de suas principais declarações estão disponíveis no vídeo acima. A íntegra da conversa pode ser ouvida no podcast UOL Entrevista ou assistida no canal do YouTube do UOL. Nela, o governador tomou distância do radicalismo ambiental de Bolsonaro: "Não é um bom caminho". Ele contou ter recolhido em viagem recente a Londres as piores impressões. "No caso da Comunidade Europeia posso afirmar que a reação foi muito forte. E pode colocar em prejuízo o agronegócio brasileiro." Doria avalia que a retórica de Bolsonaro pode melar inclusive o acordo recém-firmado entre Mercosul e União Europeia: "Se não houver uma mudança de discurso, esse risco é real."

Segundo o governador, o derretimento da imagem do Brasil não ocorreu apenas na Alemanha e na Noruega, países que suspenderam doações milionárias para programas de preservação da floresta amazônica. "Os franceses também reagiram fortemente. Até mesmo países latinos como Espanha, Portugal e Itália reagiram mal às colocações mais radicalizadas do governo brasileiro." Doria reprovou a atitude de Bolsonaro de cancelar audiência com o chanceler da França, Jean-Yves Le Drian. Disse que o personagem passou por "enorme constrangimento" ao verificar que o presidente deixara de recebê-lo para fazer poses nas redes sociais cortando o cabelo. "Não foi um bom gesto."

Doria fez reparos também à política externa cultivada pela gestão Bolsonaro. Tomado pelas palavras, o governador considera que há excesso de personalismo e de ideologia nas relações de Brasília com Washington e Buenos Aires. Não deseja que a Casa Branca seja tratada na base do ponta-pé. Mas acha que Estados Unidos e China deveriam estar em pé de igualdade. Quanto à Argentina, a exemplo de Bolsonaro, Doria torce pela reeleição do presidente Mauricio Macri, de quem se diz "amigo". Entretanto, reprova a tática de Bolsonaro de tratar como inimigo do Brasil o favorito Alberto Fernández, que carrega Cristina Kirchner na vice. "A Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil", realça Doria.

O governo paulista acaba de inaugurar um escritório de representação na cidade chinesa de Xangai. Uma evidência da primazia que Doria atribui à China. "Para nós, a China é prioritária", afirmou, em timbre peremptório. "Não vejo razão para que o Brasil embarque numa conflagração, como deseja o presidente Trump. Ele é presidente dos Estados Unidos, não das Américas ou da América Latina –nem tampouco presidente do Brasil. O presidente do Brasil pode e deve a meu ver manter relações equilibradas com a China e com a América."

A certa altura, o repórter empilhou no enunciado de uma pergunta fatos que frequentam as manchetes: a liminar do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, suspendendo processos recheados com dados do Coaf e da Receita; a decisão de Bolsonaro de remodelar o Coaf; o cerco político a órgãos de Estado como Polícia Federal e Fisco; a perda de prestígio do ministro Sergio Moro (Justiça). Acha que pode estar em curso uma operação anti-Lava Jato? E Doria: "Não sei se a intenção deliberada é essa. Mas a interpretação é cabível". Aconselhou um recuo: "Não há enfraquecimento em você voltar atrás e reconhecer um erro para o aprimoramento de uma medida. Há grandeza, sabedoria das pessoas que adotam essa atitude."

No gogó, Doria continua afirmando que é cedo para falar de candidatura presidencial. "É hora de gestão, não de eleição", ele reitera. Porém, declarou que considera factível a construção de um projeto político alternativo para o Brasil a partir do centro: "É possível. Aliás, é por onde eu caminho, por onde construo o próprio novo PSDB. Não que eu queira ser prócer […]. Quero apenas ser estimulador e defensor dessa linha mais de centro. Uma linha de equilíbrio, de entendimento, que saiba dialogar com a esquerda e com a direita, ouvir, ter humildade."

"Os extremos são nocivos, tanto a extrema-esquerda quanto a extrema-direita", afirmou Doria. "Acredito que o país gradualmente perceberá que há este caminho, há esta linha de pessoas de bem e que podem advogar uma posição de centro, de diálogo, de construção democrática…" Na opinião do governador, Bolsonaro erra ao encostar sua retórica na extrema-direita. "Se caminhar de forma incisiva para valorizar a extrema-direita, os extremos se tocam. Em vários países onde a extrema-esquerda foi confrontada pela extrema-direita os extremos acabaram se tocando."

Falta ao governo disposição para conversar, acredita Doria. "Precisamos de entendimento e valorização do princípio da democracia, que é o diálogo. Sem diálogo não há democracia, é ditadura." Animou-se a dar um conselho a Bolsonaro: "Tenha capacidade de dialogar, de compreender, de entender. E fazer desse diálogo uma bandeira importante para o seu governo."

Noutro contraponto a Bolsonaro, Doria avaliza a entrada do deputado Alexandre Frota no PSDB. Ele foi expurgado do PSL por imposição do capitão. "Em sete meses, desde que foi eleito, foi um brilhante, competente e dedicado deputado", exagerou o governador. "Agora, para meu orgulho e satisfação, ele integra o PSDB." Há um pedido de impugnação da filiação de Frota, subscrito pelo ex-senador José Aníbal e pelo ex-deputado estadual Pedro Tobias. Doria enxerga preconceito no gesto. Coisa relacionada, segundo ele, ao passado de Frota como ator pornô.

Enquanto estende o tapete vermelho para Frota, Doria mostra a maçaneta da porta de saída para o deputado Aécio Neves, um freguês de caderneta da Lava Jato, colecionador de nove processos. "O PSDB deu ao deputado Aécio Neves a oportunidade para que ele fosse o protagonista da sua decisão, não aquele que vai receber a decisão do partido. Sendo bem claro e objetivo: Nesse momento eu defendo que o deputado Aécio Neves se afaste do PSDB. Ou seja afastado."

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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