Topo

Aras aproxima Jair Bolsonaro de Renan Calheiros

Josias de Souza

25/09/2019 15h37

Há muitos campeões do arcaísmo na política brasileira. Renan Calheiros (MDB-AL), depois da aposentadoria de José Sarney, é o campeão dos campeões. Também há na política nacional muitos pretensos paladinos da modernidade. Jair Bolsonaro (PSL) é apenas o penúltimo. A indicação de Augusto Aras para o posto de procurador-geral da República, aprovada com folgas no Senado, produziu um fenômeno usual na política: a junção dos interesses do arcaico com as conveniências da modernidade presumida. Aras aproximou Bolsonaro de Renan. Uniu-os a simpatia pela ideia de impor freios ao ímpeto investigativo inaugurado pela Operação Lava Jato.

Antes apenas sussurrada, a harmonização de propósitos foi, por assim dizer, escancarada na frente das crianças durante a sabatina que precedeu a aprovação do nome de Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça. Assim como Bolsonaro, Renan reuniu-se reservadamente com o futuro procurador-geral. E não conseguiu conter o seu entusiasmo diante das câmeras. Antes de endereçar perguntas ao sabatinado, derramou-se em elogios ao inquilino do Palácio do Planalto:

"Sou oposição, integro esse campo com muita satisfação. Sou um crítico do governo, mas tenho isenção suficiente para reconhecer que, de todos os atos do presidente Jair Bolsonaro, talvez o mais acertado e significativo seja o da indicação do doutor Augusto Aras para exercer esse honroso posto de chefe da Procuradoria-Geral da República."

Renan caprichou também na exaltação de Aras. Enalteceu-lhe a "probidade", a "honradez", a "competência". Declarou que, considerando-se o seu desempenho como procurador, Aras "foi sempre o mais competente para exercer esse cargo" de chefe do Ministério Público Federal. Renan realçou seu júbilo: "Participo dessa sabatina com muito orgulho".

Freguês de caderneta da Lava Jato, Renan convive no Senado com Flávio Bolsonaro, o Zero Um, investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por suspeita de peculato e lavagem de dinheiro. Interessa ao campeão do arcaísmo e ao primogênito do hipotético modernizador aplicar um sedativo no aparato fiscalizatório do Estado. E Augusto Aras parece disposto a corresponder a essa expectativa.

Durante a sabatina, o futuro procurador-geral declarou que a Lava Jato foi um "marco importante" no combate à corrupção. Mas esclareceu que os métodos da força-tarefa de Curitiba precisam ser aperfeiçoados. Numa resposta em que comentou os excessos atribuídos a Deltan Dallagnol, disse que faltou "cabelos brancos" ao grupo de jovens procuradores que ele coordenou. Defendeu a restauração do "princípio da impessoalidade".

O jovem Tancredi, personagem do romance O Leopardo, de Tomasi di Lampedusa, traduzia o mesmo objetivo perseguido por Bolsonaro e Renan na sua célebre frase: "Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude". Sob o pretexto de ajustar a Lava Jato, deseja-se inibir as punições, não aperfeiçoar as investigações.

A ideia não é que as coisas fiquem como estão, é que melhorem sempre para os encrencados, mesmo que piorem para os brasileiros que se animavam com a perspectiva de fim do ciclo de impunidade. Será animada a gestão de Augusto Aras à frente da Procuradoria-Geral da República.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Aras aproxima Jair Bolsonaro de Renan Calheiros - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


Josias de Souza