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Excetuando-se a corrupção, tudo muda no país

Josias de Souza

03/10/2019 01h06

Agentes federais conduzem o auditor fiscal Marco Aurélio Canal, preso pela Lava Jato no Rio de Janeiro

Num instante em que o Supremo Tribunal Federal informa ao país que até o passado descrito em sentenças ratificadas em instâncias superiores é incerto, a prisão de auditores que prestavam serviços à Lava Jato serve para realçar um fenômeno nacional: tudo muda no Brasil, exceto a corrupção, que é amazônica e permanente.

Na fase pré-mensalão, crimes do poder não costumavam acabar em castigo. Nada acima de um certo nível de renda era tão grave que justificasse um desconforto além da conta. O culpado, quando pilhado, tinha seus dias de dissabor. Mas jamais ia parar na cadeia. A impunidade era um outro nome para normalidade.

Os fiscais da Receita que trabalhavam para a Lava Jato e, simultaneamente, cobravam propina de investigados da Lava Jato agiam como se tivessem a certeza de que a volta do Brasil ao normal era uma questão de tempo. A punição de oligarcas políticos e empresariais não era o fim da impunidade, mas uma oportunidade de negócio a ser aproveitada.

De acordo com a força-tarefa da Lava Jato no Rio, o chefe da quadrilha era o auditor Marco Aurélio Canal. O mesmo que elaborou dossiê sobre 133 contribuintes, entre eles o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, e sua mulher. Na ocasião, Gilmar atribuiu o dossiê ao que chamou de lavajatismo.

A elaboração do dossiê e os dados contidos nele não foram tratados na investigação deflagrada no Rio. Mas a  Procuradoria informou que a quadrilha de auditores já estava sob monitoramento  antes do vazamento que fez soar os bumbos da irritação de Gilmar. Ou seja: quando estava sob supremo ataque, a Lava Jato alvejava o mesmo auditor que incomodava Gilmar.

Se esse episódio serve para alguma coisa é para evidenciar o seguinte: Diante de um cenário de corrupção sistêmica, os responsáveis por investigar e punir a bandidagem precisam unir forças, não o contrário. Punam-se os fiscais corruptos, não a Receita. Higienizem-se os meios sem conspurcar os fins.

Num cenário em que o Supremo Tribunal Federal opera para lipoaspirar os resultados da Lava Jato, anulando o passado criminoso estampado nas sentenças, a oligarquia corrupta esfrega as mãos. Restaurando-se o ambiente em que proliferam os negócios espúrios, os larápios não perdem por esperar. Ganham.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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