‘E o Queiroz?’ Está na conta bancária de Michelle!
Josias de Souza
05/10/2019 17h49
Atenção: este texto contém linguajar quase chulo e fatos indecorosos. Os termos inadequados foram pronunciados por Jair Bolsonaro, um presidente impróprio para brasileiros entre 2 e 99 anos. A cena aconteceu defronte dos portões do Alvorada. Após trocar cumprimentos e afagos com um grupo de apoiadores, o presidente foi submetido a uma indagação incômoda. "E o Queiroz?" O capitão ajeitava-se sobre a moto, para retornar ao interior do palácio residencial. Com a cabeça já enterrada no capacete, sapecou: "Tá com a sua mãe!"
Foi como se o presidente da República mandasse o rapaz que o inquiriu à p…. À presença da pessoa que, exercendo a profissão mais antiga do mundo, não consegue saber com precisão quem deu à luz os seus filhos. Consumada a ofensa, Bolsonaro acelerou a moto, dando as costas ao inquisidor. Fez bem. Se adiasse a partida, correria o risco de ouvir uma tréplica indigesta. Algo assim: "Com minha mãe sei que o Queiroz não está, pois ele se encontra na conta bancária da primeira-dama Michelle Bolsonaro."
Num país como o Brasil, imerso em escândalos, políticos que se relacionam com personagens como o "faz-tudo" Fabrício Queiroz não deveriam se candidatar ao Planalto. Candidatando-se, não deveriam se enrolar na bandeira da ética. Enrolando-se, deveriam saber que cedo ou tarde viriam as perguntas. De um presidente que cultiva amizade de mais de três décadas com Queiroz espera-se de tudo, menos que faça pose de ofendido e perca a compostura.
Em dezembro do ano passado, poucos dias antes de assumir o trono, Bolsonaro soava menos arrogante. Dizia coisas assim: "Se algo estiver errado —seja comigo, com meu filho ou com o Queiroz— que paguemos a conta deste erro. Não podemos comungar com erro de ninguém. (…) O que a gente mais quer é que seja esclarecido o mais rápido possível, que sejam apuradas as responsabilidades, se é minha, se é do meu filho, se é do Queiroz. Ou de ninguém." (reveja no vídeo abaixo).
Decorridos nove meses, está mal parada a investigação que nasceu da identificação de movimentação bancária suspeita de R$ 1,2 milhão na conta de Queiroz. Em depoimento por escrito, Queiroz confessou ao Ministério Público do Rio de Janeiro que beliscou nacos dos salários de servidores do gabinete do primeiro-filho Flávio Bonsonaro na época em que ele era deputado estadual. E Flávio: "Eu não sabia."
Descobriu-se também que a conta bancária do próprio Flávio Bolsonaro é radioativa. Contém, por exemplo, 48 depósitos fracionados, feitos em dinheiro vivo, em caixa eletrônico da Assembleia Legislativa do Rio. Coisa de R$ 96 mil. Detectaram-se transações imobiliárias esquisitas. Quando o melado parecia escorrer fora de controle, o Zero Um escolheu como estratégia o trancamento da investigação. Após vários recursos frustrados, obteve a superblindagem de duas liminares do Supremo, uma expedida por Dias Toffoli, em julho; outra, por Gilmar Mendes, no início da semana.
Antes do fornecimento dos supremos escudos, soube-se da existência de um repasse de R$ 24 mil de Queiroz para a conta bancária da primeira-dama Michelle Bolsonaro. O marido disse que era parte do pagamento de um empréstimo de R$ 40 mil que fizera ao amigo. A coisa não foi documentada. O Fisco não ficou sabendo. Não foi levado à vitrine nenhum extrato comprovando a transferência do dinheiro da conta de Bolsonaro para a de Queiroz. Não veio à luz nenhuma explicação lógica para a falta de lógica de Queiroz pagar na conta de Michelle a dívida que supostamente tinha com Bolsonaro.
Diante de um quadro assim, a pergunta feita na frente do Alvorada é 100% pertinente: "E o Queiroz?" Se quisesse, Bolsonaro poderia ter enfiado o capacete na cabeça e saído em silêncio. Não resolveria o problema, mas atenuaria o vexame. O que não é aceitável é que o presidente se comporte como se não devesse nada a ninguém. Muito menos explicação.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.