Eventual recuo do STF fará da perda do foro privilegiado um superprivilégio
Josias de Souza
14/10/2019 21h34
A perspectiva de mudança na regra que autorizou a prisão de larápios condenados na segunda instância não vai apenas abrir as celas de corruptos e algo como 190 mil criminosos de todo tipo. Além de soltar gente como Lula e José Dirceu, a eventual meia-volta da Suprema Corte vai restaurar a tranquilidade de políticos que perderam o foro privilegiado —Aécio Neves e Michel Temer, por exemplo.
No ano passado, o Supremo havia aprovado a restrição do foro privilegiado. Ficaram na Suprema Corte apenas os processos referentes a crimes praticados por parlamentares e autoridades no exercício do mandato e relacionados à função pública. Ex-presidente, Temer viu seus processos criminais descerem para a primeira instância. Ao trocar o Senado pela Câmara, Aécio também perdeu o foro do Supremo no caso em que é acusado de extorquir Joesley Batista, da JBS, em R$ 2 milhões.
Pois bem, Temer, Aécio e todos os outros que perderam a mamata do foro estão nesse momento prestes a migrar do inferno para o paraíso. O encarceramento de condenados em duas instâncias representou uma reviravolta. Além de levar à cadeia gente que se imaginava invulnerável, inverteu-se a lógica dos recursos. Preso, o condenado manteve intacto o direito de recorrer. Mas o interesse pela postergação dos julgamentos tinha deixado de ser um grande negócio. A abertura das celas restabelece a lógica da procrastinação.
Com a restauração do velho ambiente propício à impunidade, a restrição do foro privilegiado, que parecia o fim de um privilégio, vai virar um superprivilégio. Quem é julgado no Supremo não tem a quem recorrer. Com o fim da prisão em segundo grau, um corrupto empurrado para a primeira instância passa a dispor de todo o manancial de recursos judiciais disponíveis nas quatro instâncias do Judiciário brasileiro. Com sorte e dinheiro para contratar bons advogados, nenhum larápio irá preso no Brasil acima de um certo nível de poder e renda.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.