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Documento do PT expõe oposição com pés de barro

Josias de Souza

25/11/2019 05h04

Reunido em seu 7º Congresso, o PT passou três dias —de sexta a domingo— se autovangloriando em discursos e debates sobre a força de Lula e a disposição da legenda para mobilizar as ruas contra o governo de Jair Bolsonaro. Ao final, reelegeu-se Gleisi Hoffmann para a presidência da legenda e aprovou-se uma resolução. O documento impõe à valentia petista uma certa ponderabilidade cômica.

Mal comparando, o PT ficou em posição parecida com a do sujeito que diz que vai quebrar a cara do outro, mas expõe tantas condicionantes para levantar da cadeira que acaba comprometendo a seriedade da cena. A banda mais esquerdista do PT defendeu a adoção do bordão "Fora Bolsonaro". O grupo majoritário, comandado por Lula, sugeriu uma emenda que transformou em piada o soneto.

Puxa daqui, estica dali anotou-se no documento que a direção nacional do PT pode atualizar sua tática oposicionista, exigindo a saída de Bolsonaro, desde que se observe uma "evolução das condições sociais", da "percepção pública sobre o caráter do governo" e da "correlação de forças".

O que o PT escreveu no seu documento, com outras palavras, foi mais ou menos o seguinte: "Nós adoraríamos fazer com Bolsonaro o que fizeram com Dilma Rousseff. Entretanto, sem a adesão do asfalto e de dois terços da Câmara (342 votos), a defesa do impeachment não passa de tolice de uma oposição cuja valentia está sustentada sobre pés de barro.

Noutro trecho, a resolução petista menciona a conveniência de costurar "a mais ampla unidade da esquerda". Tomada pelo número de partidos que enviaram representantes ao encontro, a amplitude da unidade será bem estreita. Apenas o PCdoB e o PSOL prestigiaram a pajelança petista. Nem sinal do PDT, por exemplo. Ou do PSB.

O texto do PT deixa entreaberta uma janela para o diálogo com "personalidades e setores de centro". Mas posiciona-se contra o receituário liberal que o centrão e adjacências vêm apoiando no Legislativo. A reforma da Previdência, já aprovada na Câmara e no Senado, é tachada pelo petismo de "elitista e excludente".

A falta de nexo é evidente. Mas o PT avalia que "não há contradição". Alega que sempre se poderá "buscar alianças mais amplas", quando estiver em jogo a a defesa "do Estado de Direito e de outras causas que extrapolam o campo das esquerdas, como a defesa da universidade pública ou o combate à homofobia". Ou "a liberdade de Lula".

Reeleita presidente do PT, Gleisi Hoffmann reiterou que o partido tem a pretensão de voltar ao Planalto com Lula. Falta lavar a ficha suja do personagem. E construir o que a resolução do PT chamou de maioria consistente na sociedade". Algo "que não seja apenas eventual, conjuntural, mas que se afirme como verdadeira hegemonia democrática de ideias e valores"

O diabo é que o PT continua dizendo coisas definitivas sem definir muito bem as coisas. Não consegue expor as ideias nem enumerar os valores. Ao discursar, Dilma insinuou que Bolsonaro destrói a Petrobras, uma estatal que o PT e seus sócios pilharam.

Lula informou que, retornando ao poder, o PT voltará a liberar empréstimos para obras em países como Cuba e Venezuela, que deram o calote no BNDES. E Gleisi: "Nós queremos Lula percorrendo o Brasil. Nós queremos Lula presidente novamente. O povo vai ter que reagir".

Nas palavras da presidente reeleita do PT, "é  nas ruas" que o petismo "vai vencer essa pauta de retrocesso" do governo Bolsonaro. Madame ainda não percebeu. Mas o PT não perdeu apenas o monopólio do asfalto. O partido perde votos.

Nas eleições presidenciais de 2002 e 2006, Lula prevaleceu com 61% dos votos válidos. Em 2010, Dilma ganhou o trono com 56%.Em 2014, madame foi reeleita com 52%. Na sequência, podaram-lhe o mandato —com os decisivos votos de supostos aliados.

Em 2018, com Lula na cadeia, Fernando Haddad obteve 44,8% dos votos válidos. De saco cheio, os brasileiros optaram por içar Bolsonaro do baixíssimo clero da Câmara para o terceiro andar do Planalto. Uma parte do eleitorado de Bolsonaro já se arrependeu. Mas esse eleitor não faz fila na porta do PT. Planeja cometer erros novos em 2022.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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