STF injeta insegurança jurídica no caso do sítio
Josias de Souza
27/11/2019 15h21
O Supremo Tribunal Federal já anulou duas sentenças da Lava Jato sob o argumento de que réus delatados devem falar por último nos processos, depois de tomar conhecimento das alegações finais dos delatores. Porém, a Corte se absteve de informar como a nova regra se aplicaria aos demais casos. A interrogação injetou insegurança jurídica no processo sobre o sítio de Atibaia, cujo julgamento foi retomado nesta quarta-feira pelo TRF-4.
Relator do processo, o desembargador João Pedro Gebran Neto negou os pedidos de anulação do processo feitos pela defesa de Lula. Deu de ombros inclusive para a decisão do Supremo, que escorava um dos pedidos. Disse discordar da tese segundo a qual os dedurados devem se manifestar depois dos dedos-duros. Foi seguido pelos outros dois colegas de turma. Como essa regra não estava prevista em nenhuma lei, Gebran considerou que o entendimento do Supremo só vale para casos futuros, não para processos já julgados.
Não há no Código de Processo Penal nem na Lei de Delações nenhuma menção a prazos distintos para a manifestação final de réus delatores e réus delatados. A questão está sujeita a interpretação. E o Supremo decidiu tomar as dores dos réus. Gebran Neto soou lógico ao ler o seu voto: "Todos os juízes do Brasil teriam que adivinhar que seria criada uma nova norma".
Apenas na Lava Jato, estão em jogo sentenças que condenaram 143 larápios de dinheiro público. Alguns ministros do Supremo, entre eles o presidente Dias Toffoli, reconheceram a necessidade de fixar uma tese para disciplinar a aplicação da regra sobre delatores e delatados nesses processos. Ficou entendido que seria marcada uma nova sessão para resolver a encrenca. Isso foi no mês passado. E nada.
Omissão do Supremo é coisa séria. Os 11 ministos da Corte não julgam apenas o destino alheio. Eles julgam a si próprios. No limite, dependendo das decisões que tomam, sentenciam a própria Corte à desmoralização.
Para manter a supremacia presumida, o Supremo precisa assegurar, no mínimo, segurança. E a decisão sobre a ordem de manifestação dos réus tem, por ora, a consistência de um pote de gelatina. O que permite a um desembargador, situado no segundo grau do Judiciário, injetar num processo a afirmação de que discorda da posição do Supremo.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
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