Surge petista que prefere sair da água a afogar-se
Josias de Souza
14/12/2019 05h46
Quando Lula deixou a cadeia, em 8 de novembro, o PT lidava com dois problemas: o excesso de lama e a carência de rumo. Decorridos 36 dias desde a abertura da cela de Curitiba, o PT continua imerso em lodo. Mas já dispõe de um rumo. Sob os efeitos da raiva que Lula injetou na conjuntura, o partido tomou a direção do brejo.
Em entrevista à Folha, o governador petista da Bahia, Rui Costa, sugeriu caminhos diferentes: Lula e o PT precisam "pregar a pacificação do país", declarou. É necessário "aproximar as posições gerais do partido de desafios concretos da economia e da sociedade". Falou em "ajuste fino", em "refinamento" de posições.
Instado a comentar a aversão da bancada do PT na Câmara ao projeto que regula a participação da iniciativa privada no setor de saneamento básico, o governador tomou as dores dos cerca de 100 milhões de brasileiros que não dispõem de uma privada em casa.
"Onde vamos buscar recursos para tirar o pobre de viver sem esgoto, em lugares alagados ou ficar sem água? O governo e os estados não têm como ofertar. É evidente que precisamos usar o instrumento da parceria público-privada, do capital privado, para levar água e esgoto à população".
Rui Costa proclama o óbvio. Mas o óbvio e o PT são coisas inconciliáveis. O mesmo Lula que beijou a cruz da Carta aos Brasileiros para virar presidente em 2002 agora afugenta a classe média com sua ficha suja e seu discurso radical. Numa conjuntura que pede moderação, a divindade petista operou para reconduzir a incendiária Gleise Hoffmann ao comando partidário.
Ninguém se afoga por cair na água, mas por permanecer lá. Rui Costa soou como se preferisse sair da água. O diabo é que, para chegar à margem, teria de se livrar do abraço de afogados.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.